O chamado “Plano de Regeneração Urbana” é um mau plano para as Caldas da Rainha

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Introdução

Os planos são instrumentos de políticas. Para uma cidade, mais importante do que ter planos é ter planeamento urbano. Um aspecto muito relevante do planeamento urbano é a gestão, participação e divulgação pública dos planos. O chamado “Plano de Regeneração Urbana de Caldas da Rainha” deveria ser um instrumento da política urbana global do município para o centro histórico da cidade. Para tal efeito, deveria identificar os principais problemas urbanos da nossa cidade, equacionar as questões-chave e apresentar respostas estratégicas.

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Todavia, a reflexão e a ponderação das questões-chave está completamente ausente na proposta deste putativo plano. Tal como se conhece do que até agora foi apresentado. Na verdade, este plano parece mais preocupado com os aspectos ilusórios e transitórios das aparências (mudar os pavimentos das ruas, espalhar mobiliário urbano pelo espaço público, esconder os automóveis no subsolo) do que com a realidade económica e social.
Por causa disso, caro leitor e concidadão, permitam-me que apresente neste breve artigo aquelas que são, no meu entender, as duas principais questões-chave do centro histórico de Caldas da Rainha. Questões essas que o plano, tal como está, não formula nem obviamente procura dar respostas estratégicas.

1ª questão-chave: Como atrair novos agentes económicos (famílias e empresas) para o centro histórico de Caldas da Rainha?

O centro histórico de Caldas da Rainha está muito envelhecido e debilitado, necessitando urgentemente de sangue fresco para não morrer.  Alguns factos que ilustram esta situação: a) no centro histórico moram apenas 782 habitantes, dos quais 248 têm mais de 65 anos de idade; b) há 3 idosos para cada jovem; c) há um alojamento desocupado por cada duas famílias; d) há 82 edifícios total ou parcialmente devolutos. Para além disso, a actividade económica do centro histórico de Caldas da Rainha tem uma distribuição muito desequilibrada: a) 81% é actividade comercial; b) 19% é actividade de serviços. Ora, os comerciantes não podem ser apenas clientes uns dos outros, precisam de novos clientes com rendimento disponível.
Não é por isso difícil concluir que um dos objectivos prioritários de um ‘Plano de Regeneração Urbana’ deveria ser a atracção de novos agentes económicos (famílias e empresas) para o centro histórico de Caldas da Rainha, aliada a uma estratégia de diversificação da sua base económica. A estratégia de diversificação da base económica deveria potenciar o sector dos serviços, nomeadamente dos serviços turísticos. Em 1926 havia 8 hotéis e 6 pensões no centro histórico. Hoje há 2 hotéis e 8 pensões. Para além de terem surgido 3 unidades não licenciadas para aluguer de quartos. Recentemente deflagrou um incêndio numa dessas unidades, onde lamentavelmente morreram 3 pessoas. Há por isso um claro retrocesso e uma degradação evidente da oferta turística hoteleira, facto que muito prejudica a nossa cidade e concelho. Também não se descortina nenhuma estratégia de política urbana orientada para as mudanças na procura turística. Uma cidade como Caldas da Rainha não poderá ter um centro histórico com dinâmica social e económica se não conseguir criar as condições para ter, pelo menos, um ou dois hotéis de quatro estrelas.
Para além disso, os próximos 6 anos irão ser concerteza anos de grande contracção do rendimento e consequentemente de quebra do consumo. O problema é que o chamado ‘Plano de Regeneração Urbana’ olha para o centro histórico de Caldas da Rainha e vê apenas um espaço de consumo e comércio, uma espécie de centro comercial ao ar livre. E é por estar alicerçado neste ponto de vista que o plano é profundamente errado e cego logo à partida. Esta obsessão pelo consumo é também o que move o Sr. vereador responsável pelo plano, com muita pressa em gastar rapidamente os 10 milhões de euros em obras de construção civil, prevendo lançar já vários concursos simultaneamente. É de prever o pior, com obras mal pensadas, lançadas à pressa e em simultâneo no centro histórico da cidade.
Outro aspecto desta obsessão pelo consumo é a vontade de vender o espaço público para espaço de publicidade, espalhando excessivamente mobiliário urbano de uma certa marca francesa por todos os espaços de intervenção previstos no plano. “Ainda estamos em negociações”, esclareceu o Sr. Vereador em sessão pública. Sobre a natureza das negociações é que ficamos sem saber nada. E esse é um aspecto importante, o direito à informação dos cidadãos sobre o que está a ser negociado com uma empresa privada relativamente às contrapartidas pela utilização do espaço público.
Na verdade, o ‘Plano de Regeneração Urbana’ deveria ser um instrumento sensato, ponderado e transparente, apontando soluções que criem objectivamente as condições para transformar o centro histórico de Caldas da Rainha num verdadeiro lugar de produção! Produzir mais e melhor, e não apenas consumir o que já existe, deveria ser o principal objectivo das políticas urbanas para a nossa cidade.

2ª questão-chave: Como melhorar o ambiente urbano?

A melhoria do ambiente urbano no centro histórico de Caldas da Rainha deveria ser também um dos principais objectivos deste plano. Nomeadamente ao nível da qualidade do ar, da redução do ruído, da reabilitação do património edificado e da sustentabilidade das soluções de desenho urbano. Lamentavelmente, é precisamente o inverso que acontece. As preocupações ambientais estão completamente ausentes deste plano!
Não existe sequer uma ‘Avaliação Ambiental Estratégica’ do plano, que a Lei aliás recomenda, e tal ausência é justificada nos seguintes termos: “ (…) é entendimento desta Câmara Municipal que o mesmo não é objecto de avaliação ambiental, uma vez que as suas iniciativas não são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente (…) [pág. 3 do Vol. II, Justificação (…)].  Ora, se no entender da Câmara Municipal as ‘iniciativas do plano não são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente’ urbano do centro histórico, então podem legitimamente os Caldenses formular as seguintes perguntas: para quê fazer um plano?! Para quê fazer um plano se não for para melhorar o ambiente urbano e promover o desenvolvimento económico e social do centro histórico? Para quê? É apenas para gastar os fundos estruturais da Comunidade Europeia (7 milhões de euros) e dos contribuintes caldenses (3 milhões de euros)? É por causa disso que há esta pressa toda em lançar no mais curto espaço de tempo os concursos para obras de construção civil?
Para além disso, este putativo plano também não apresenta os Mapas de Ruído e de Conflito, obrigatórios por Lei, nem sequer um Plano de redução do Ruído. Tal como também não faz parte deste plano um estudo da qualidade do ar no espaço público do centro histórico, nem os estudos de mobilidade urbana que deveriam estar na base da sua elaboração, considerando que todos os dias há cerca de 9 000 pessoas que visitam o centro histórico. E que poderiam ser muitos mais visitantes se as condições de acessibilidade, mobilidade e de conforto ambiental melhorassem.
O chamado ‘Plano de Regeneração Urbana’ também não apresenta nenhuma estratégia para a reabilitação do património edificado. Não existe sequer um desenho em planta com a estrutura do cadastro e a identificação dos proprietários. Na verdade os proprietários dos edifícios privados são completamente ignorados neste plano. Não são chamados para nada. E, mais grave ainda, não há uma única palavra, referência, estratégia ou proposta para mais de 50 % da área deste plano. Isto é, este plano é completamente autista relativamente ao parque D. Carlos I e ao património edificado do Hospital Termal. Nunca é demais sublinhar que o parque D. Carlos I e o património edificado do Hospital Termal constituem um dos principais lugares da construção da identidade Caldense. Todos os planos para a construção de um futuro melhor para as Caldas da Rainha estarão condenados ao fracasso se não considerarem o elevado valor simbólico e patrimonial destes lugares matriciais da identidade como elementos fundamentais do seu processo de desenvolvimento.

Conclusão

Este putativo plano pretende investir 10 milhões de euros no centro histórico, sendo ‘grosso modo’ 5 milhões para um parque de estacionamento subterrâneo (isto quando os parques de estacionamento já existentes têm uma taxa de ocupação abaixo de 50%) e os outros 5 milhões para substituir pavimentos, reformular perfis de arruamentos e distribuir excessivamente mobiliário urbano pelos espaços públicos que são objecto de intervenção. Trata-se de um plano com uma atitude consumista primária de gastar rapidamente os fundos estruturais da Comunidade Europeia e o dinheiro dos contribuintes caldenses em obras de construção civil de muito duvidosa utilidade social e económica. Para além de propor soluções de desenho urbano completamente disparatadas, como por exemplo, arrancar as pedras centenárias e voltar a reconstruir o ‘tabuleiro’ da Praça da República, rematando todo este trabalho com lancis laterais de altura superior a 15 cm! Para, no dizer do Sr. vereador responsável ‘os carros não estacionarem em cima do tabuleiro da Praça’… Lamentavelmente este é um plano que só pensa em automóveis e não pensa nas pessoas. Nomeadamente daquelas que poderão facilmente cair de uma altura de lancil superior a 15 cm, coisa a que não estavam habituadas.
Por isso, e para finalizar, exorto todos os Caldenses a participar na discussão pública ainda em curso, para que, já que parece que não vamos a tempo de salvar os anéis, ainda se possam ao menos salvar os dedos. Para que ainda seja possível salvar o essencial, isto é, a integridade física e o elevado potencial e valor simbólico do centro histórico de Caldas da Rainha, lugar fundamental da construção da identidade da nossa cidade e concelho.

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