País acolhedor de parcelas importantes das constantes vagas de emigrantes que ciclicamente abandonam Portugal em busca de melhores condições de vida em sociedades mais justas do que aquela que os viu nascer, o Canadá continua, no imaginário da generalidade dos portugueses, a ser associado ao frio, ao gelo e à neve, e, pelas gentes oriundas da orla marítima do país, à faina da pesca do bacalhau, nos Grandes Bancos da Terra Nova.
Tivemos conhecimento há relativamente pouco tempo, através da visita do museu local, que na zona do Golfo do rio São Lourenço na nossa Província do Québec, durante os séculos XVIII e XIX, os portugueses vinham regularmente comerciar o «fiel amigo» na península de Gaspé, para além de se dedicarem à mais conhecida e tradicional pesca do mesmo nas águas frias da Ilha e Província da Terra Nova. Província esta a que se juntou ultimamente a região do Labrador, no Nordeste do Québec, e sobre a qual a nação francófona continua a reclamar o controlo administrativo junto das autoridades federais em Otava. O que já não é do conhecimento geral, é que a história dum bom cálice de Vinho do Porto, poderá estar igualmente ligada à ilha da Terra Nova.
A nossa curiosidade pela existência de uma pequena localidade no litoral de 6000 habitantes, chamada Portugal Cove, com presença confirmada de portugueses desde o distante século XVI, no apogeu das nossas descobertas, e que dista apenas 130 Kms da capital St. John’s (a São João da Terra Nova que nos ensinaram na escola), levou-nos a descobrir a, para nós novidade, relação entre a capital da província atlântica canadiana e a conhecida marca de vinho do porto Newman’s.
Estava-se em 1679 e um navio pertencente à Newman’s Port fazia a viagem do Porto para Londres completamente carregado da preciosa bebida tão do agrado dos súbditos de Sua Majestade quando, em pleno Atlântico, foram atacados por corsários franceses. Devido aos efeitos da batalha com os inimigos gauleses, e por via dos ventos adversos, o barco dirigiu-se para a Terra Nova, onde a companhia já possuía na altura uma fábrica de transformação de peixe. Aproveitaram a circunstância, e aí efectuaram as devidas reparações, que lhes permitiriam, chegar às Ilhas Britânicas. Só que entretanto os efeitos dos rigorosos invernos canadianos já se faziam sentir, e os responsáveis decidiram descarregar no local, a totalidade dos barris de vinho do Porto e armazená-los durante todo o inverno em São João, enquanto se procedia à reparação da embarcação, com vista à partida na primavera seguinte. Depois de longos meses de armazenamento, a preciosa carga foi de novo embarcada para a nova travessia do oceano, a caminho do Leste desta vez. Quando chegaram a Inglaterra, os locais ficaram surpreendidos com o sabor que aquele vinho vindo do Canadá tinha. A dupla travessia do oceano, aliada ao armazenamento na ilha, tinha dado ao precioso néctar um sabor mais fino e aveludado. A partir daquela inesperada descoberta, e durante cerca de 300 anos, todos os vinhos do Porto da companhia Newman’s, passaram a ser envelhecidos nas caves situadas na Terra Nova, onde as condições climatéricas do local lhes adicionavam características completamente diferentes das que lhe eram dadas pelo clima mais ameno da região do Douro.
O local da Rua Water, na capital St. John’s, onde durante cerca de 300 anos o vinho envelhecia, foi no entanto completamente abandonado em 1966 e rapidamente se degradou. Entretanto a Newfoundland Liquor Corporation continuou a utilizar as velhas caves para engarrafar o Porto Newman até 1996, ano a partir do qual, Portugal passou a exigir a exclusividade do termo «porto», única e apenas para os vinhos que fizeram toda a sua vida, engarrafamento e envelhecimento, nas caves portuguesas.
Até que nos nossos dias, um organismo comunitário, a Newfoundland Historic Trust, procedeu à sua recuperação. As velhas caves têm hoje o estatuto de Local Histórico Provincial, e durante o Verão, oferecem visitas temáticas através das quais os visitantes, entre uma prova de porto e a descoberta dos subterrâneos, ficam a conhecer a curiosa história do vinho do Porto envelhecido no Canadá.
Se todos em Portugal sabem mais ou menos que do Canadá vem uma parte do bacalhau seco tão do agrado das nossas gentes, já apenas uma minoria muito reduzida poderá ligar um bom cálice de Vinho do Porto aos Grandes Bancos da Terra Nova dos pescadores portugueses. E quem sabe até, se a popular cadeia de bares chamados apenas Porto, e que até há bem pouco tempo cresciam como cogumelos um pouco por toda a cidade, sobretudo no nosso bairro do Plateau Mont-Royal, não terão eventualmente relação com esta curiosa história do porto Newman’s? Diga-se no entanto, e em abono da verdade, que da mesma forma como cresceram igualmente desapareceram.
J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca
































