João B. Serra
professor jubilado do Instituto Politécnico de Leiria; investigador do Laboratório de Investigação em Design e Artes (LIDA) da ESAD
1.A imprensa nasceu quando Estado e cidadãos estabeleceram relações assentes na comunicação. Imprensa livre é condição de Estado liberal e democrático, imprensa condicionada ou limitada é sinal de Estado policial e autoritário.
Um longo caminho tem sido percorrido pela imprensa livre em Portugal, desde que o Estado autoritário foi derrubado e se iniciou a sua democratização.
Recordámos, numa entrevista com José Luiz de Almeida e Silva, alguns dos momentos-chave da transformação da Gazeta das Caldas num jornal de informação independente, plural, credível, que são as exigências que recaem sobre a imprensa livre. Desde a orgânica institucional até à profissionalização da redação, desde a atenção às causas do ambiente e do património, desde a defesa da liberdade de criação e da denúncia de todas as formas de opressão ou de pressão, o jornal afirmou-se como uma peça da representação da comunidade, dos seus valores cívicos e humanísticos, das suas diferentes formas de ver e de ambicionar.

(março 2021)
Solicitámos a alguns observadores qualificados que nos ajudassem a identificar questões cruciais para a liberdade de imprensa nos nossos dias. Carlos Querido, um colaborador da Gazeta, no qual também já passou pela condição de “diretor por um dia”, vê, com a sua experiência de jurista, riscos na possibilidade de criminalizar a atividade jornalística através, por exemplo, da figura da difamação. A proteção da dignidade das pessoas através do direito penal é suscetível de ter efeitos perversos sobre a liberdade de informação, conclui. Álvaro Laborinho Lúcio (que nas Caldas fez estudos liceais e onde viria a leccionar), outro jurista emérito, analisa as exigências crescentes colocadas ao exercício jornalístico, quando o efeito da mensagem, aquilo a que comummente se chama efeito mediático, se sobrepõe à mensagem propriamente dita, à notícia. A sua chamada de atenção dirige-se particularmente para esta espécie de dispensa da capacidade crítica do leitor, tão comprometedora para o funcionamento da democracia.
Fernando Mora Ramos e Luiz Humberto Marcos refletem sobre a liberdade em tempos de emergência sanitária. O primeiro, diretor artístico do Teatro da Rainha e ensaísta, constata que a pandemia e as formas como tem sido gerida impuseram uma efetiva limitação da liberdade, sobretudo da liberdade de sonhar o futuro, de projetar a utopia. O mundo do depois pode bem ser mais cruel, mais desumano, menos afetuoso. Também Luís Humberto Marques, diretor do Museu Nacional de Imprensa, prevê tempos de desregulação do espaço mediático desoladoramente críticos para a liberdade e a democracia: tempos de proliferação das notícias falsas, de avalanche das redes sociais e de usurpação da informação pelos gigantes digitais. À emergência sanitária contrapõe uma emergência mediática, centrada num pacto político e cívico em torno de novos instrumentos de regulação e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
2.Gostaria de sublinhar, com uma grata referência, os nomes de todos aqueles que aceitaram colaborar na evocação da Liberdade de Imprensa nesta edição que honrosamente fui convidado a coordenar: Carlos Querido, Álvaro Laborinho Lúcio, Fernando Mora Ramos e Luís Humberto Marques, acima mencionados.
Um longo caminho tem sido percorrido pela imprensa livre em Portugal, desde que o Estado autoritário foi derrubado e se iniciou a sua democratização
Amigos e colegas de docência responderam sim ao pedido que lhes fiz de me autorizarem a publicação de fotografias e ilustrações alusivas ao tema. O escultor José Aurélio disponibilizou uma imagem de O Grito, uma peça em bronze na qual celebrou a revolta, a insubmissão contra a ditadura (um dos seus primeiros trabalhos em escultura, de 1971). Valter Vinagre (que foi colaborador da Gazeta nos anos 1980 e 1990), João Martins Pereira (a cuja competência e disponibilidade tenho recorrido em diversos trabalhos de investigação) e Pedro Letria (meu colega na Escola Superior de Artes e Design) cederam fotografias para este dossiê. Luísa Pires Barreto, Luís Favas, Mantraste (Bruno Alexandre Santos), Nuno Fragata e Marco Nunes Correia, todos meus colegas na ESAD, compuseram ilustrações originais para esta edição. O Museu da Imprensa ofereceu os direitos de publicação de um cartoon do cartoonista turco Musa Gumus, premiado na edição do World Press Cartoon de 2019.
A ilustração (como a fotografia, esta a partir dos finais do século XIX) acompanhou a história da imprensa e sofreu com ela as vicissitudes do combate e afirmação da liberdade de imprensa. Os ilustradores, como os fotógrafos, fizeram e fazem parte da produção noticiosa jornalística. Por isso, recorri aos seus trabalhos. E, na oportunidade, quis lembrar Zé d’Almeida, um grande ilustrador e humorista gráfico que um dia descobriu a cerâmica nas Caldas, assim completando o seu perfil de “bordaliano” (Bordalo é a fonte inspiradora de tantos tão brilhantes cartoonistas portugueses do nosso tempo).
3.Fui desafiado para esta efémera responsabilidade de “diretor por um dia” da Gazeta das Caldas, um convite irrecusável para quem tem com este jornal uma dívida de gratidão e para com o seu diretor uma cumplicidade intelectual mil vezes posta à prova. Agradeço ao diretor-adjunto e à redação a cooperação, dispensada com tanto entusiasmo, a este trabalho suplementar. ■

Hadashot
Mei Shearin, Jerusalem, Israel (2013)

































