Montréal la nuit!

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Num dos dias mais quentes da última semana, em que o mercúrio do termómetro ultrapassava alegremente a marca dos 30 graus, com as previsões para a respectiva noite a rondarem os cerca de 25 e apesar de se tratar de um normal dia de trabalho, como por vezes acontece quando a temperatura para isso convida, decidimos prolongar a nossa estadia na Ilha de Montreal (como se chama na realidade a cidade) para além das horas habituais de escritório.
Uma pequena mensagem para a companheira, cujo local de trabalho se situa a cerca de duas centenas de metros do nosso, em plena rua Saint Denis, a marcar o local de encontro para um dos variadíssimos restaurantes desta importante artéria comercial, no bairro que está actualmente na moda, e onde por feliz acaso desenvolvemos ambos a nossa actividade. Nós, há mais de trinta anos, e a companheira há mais de vinte. O cada vez mais procurado Plateau Mont-Royal, apesar de todos os impropérios que alguns comerciantes lançam ao maire do bairro de cada vez que ele decide retirar mais um espaço às viaturas, e transformá-lo em bonitos jardins, ou em mais uma pista para ciclistas, que na realidade só é plenamente utilizada entre Abril e Novembro de cada ano.
À hora combinada lá estávamos. A companheira já nos esperava há alguns minutos, depois de ter feito uma compra na loja da Sociedade dos Álcoois. A primeira particularidade da sociedade quebequense para a qual queremos chamar a atenção com esta crónica, é a de que, apesar de já se encontrar vinho e cerveja à venda nos supermercados, para se ter acesso a uma escolha mais ampla e variada, deveremos passar por uma das lojas controladas pelo governo provincial, que continua de certa forma a deter o monopólio da venda de bebidas alcoólicas. Muitas destas lojas, funcionam com horário alargado, e encontram-se localizadas em locais estratégicos, nas zonas onde há mais restaurantes.
A segunda particularidade é a da existência dos restaurantes do tipo Apportez votre vin (Traga o seu vinho), que poderá também ser cerveja. A razão da popularidade destes locais, que não vendem bebidas alcoólicas e numa fase inicial eram sobretudo conhecidos pelo facto de servirem comida a preços económicos, mas em que a qualidade estava infelizmente a condizer com o preço, é a de que o cliente pode comprar a bebida da sua preferência no exterior, entrar com ela e consumi-la no restaurante. É que se uma boa garrafa de vinho importado, nos custa numa loja exterior cerca de vinte dólares, a mesma garrafa comprada no interior do restaurante, custa pelo menos cinquenta a sessenta dólares. Se adicionarmos o facto de que a qualidade da comida, do ambiente, e do serviço, em nada são inferiores àquilo a que estamos habituados nos restaurantes, que poderemos chamar de convencionais, é fácil compreender a razão do sucesso do modelo apportez votre vin.
Trata-se de comércios geralmente geridos por membros da comunidade grega, sendo até genericamente conhecidos pelos gregos, muito embora outras etnias explorem o conceito, sobretudo a italiana. Infelizmente a comunidade portuguesa não está minimamente presente neste ramo de negócio, continuando a generalidade dos muitos e bons restaurantes portugueses a funcionar no modelo europeu, em que a factura final fica inflacionada pelo custo do vinho à mesa.
À medida que a nossa noite avançava e enquanto saboreávamos a excelente refeição, com serviço a condizer, realizávamos quanto Montreal é uma cidade com grande qualidade de vida. Os sons da noite são tão agradáveis que, como nos dizia um amigo das Caldas da última vez que nos visitou, até se ouve o deslizar das rodas das viaturas sobre a camada de alcatrão. Se a isto juntarmos o facto da moda jovem e menos jovem se caracterizar nos nossos dias por uma beleza extraordinária, e de finalmente se poder começar a notar o efeito duma já antiga sensibilização para a redução do consumo da chamada junk food, seríamos tentados a afirmar que se vêem hoje menos pessoas obesas em Montreal do que numa grande cidade portuguesa.
Depois do repasto, e como no dia seguinte era dia normal de trabalho, aproveitámos para dar um calmo passeio pela «nossa» rua Saint Denis, e vermos as montras das lojas, maioritariamente geridas por gentes do Maghreb, abertas até às 22 ou 23 horas. Terminarmos como sempre com uma visita à Livraria Renaud Bray. Três amplos pisos de livros e cultura, onde se lê, se conversa, se houve música por vezes ao vivo, e se fazem encontros. Antes de partir, tempo para comprar uma obra de Lobo Antunes, de cujo título em francês, La Nébuleuse de l’Insomnie, deduzimos que só poderia ser O Arquipélago da Insónia. Quando esta crónica for publicada, e depois duns curtos sete dias algures por aí, durante os quais vamos aproveitar para entrar nos mundos do autor, esperamos já estar de novo de volta à nossa bela e cosmopolita cidade de Montreal.

J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca

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