A professora Manuela Silva era uma mulher de uma fibra inquebrantável, cujo sorriso sempre presente, era uma condição de vida e de afirmação como ser superior em inteligência, sensibilidade, modéstia e presença solidária. Faleceu na passada semana, com 87 anos de idade, deixando um legado muito importante e que a região Oeste muito beneficiou.
Conheci-a como professora de Economia no ISEG, em Lisboa, na transição dos anos 70 para os 80, depois de ter sido membro de um dos primeiros governos constitucionais de Portugal.
Uma docente afável, terna, de uma simpatia infinita, como disse antes, sempre com um sorriso no rosto, explicando porfiadamente as matérias, sempre com uma inexcedível sensibilidade para as questões sociais e do desenvolvimento justo e mais humano. Muito apreciei as suas qualidades pessoais, académicas, profissionais e espirituais, mas sem nunca mostrar a mínima tentativa de catequizar quem quer que fosse. Respeitava a identidade e a autonomia de cada um.
Depois vim a saber que ela fora uma das entusiastas do projecto de Desenvolvimento Comunitário realizado na região, que permitiu afirmar nacionalmente a Freguesia da Benedita como uma Terra Cooperativa e com resultados muito importantes em termos económicos e sociais.
Esse projecto, com centro na Benedita, foi liderado localmente pelo Cónego Serrazina, com a Professora Manuela Silva à frente de uma vasta equipa de técnicos cedidos por várias instituições oficiais e sociais, apoiados pela Fundação Gulbenkian. Teve na origem conceptual o célebre estudo, também apoiado pela Fundação, coordenado pelo Eng. Lopes Cardoso, intitulado “A Região Oeste da Serra de Aire e Candeeiros” e publicado em 1962, que permitiu germinar uma força enorme de iniciativa popular que se estendeu e marcou a actividade empresarial na vila e na região.
O projecto permitiu desencadear um enorme dinamismo à roda da iniciativa empreendedora, como se diz hoje, que motivou a criação de inúmeras pequenas empresas familiares nos sectores mais variados como calçado, cutelaria, marroquinaria, exploração de pedreiras, artes gráficas, mármores, madeiras, rações para animais, serralharia civil, construção civil e obras públicas, que ainda hoje dão um grande dinamismo económico aquela vila. Esta experiência serviu mesmo de modelo a integrar no Plano Intercalar de Fomento de 1965/67, como forma exemplar da criação de polos de desenvolvimento local, que eram um objectivo de certos meios ligados à acção católica progressista naquela época da ditadura.
Em 2012 realizou-se na Benedita uma iniciativa para relembrar e comemorar o meio século deste projecto a que não faltou a vinda da professora Manuela Silva.
Numa edição de Janeiro daquele ano, Gazeta das Caldas, noticiava a comemoração daquele evento e escrevia:
“Entre os anos de 1962 e 1965 a vila da Benedita beneficiou de um projecto de Desenvolvimento Comunitário, fundamental para o progresso de uma zona onde os solos não ajudavam a agricultura e o caminho para a prosperidade se fez com o desenvolvimento industrial e social.
Agora que se assinala meio século sobre o início desta experiência-piloto, a cargo de uma equipa liderada por Manuela Silva, actualmente professora catedrática jubilada do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), o Rotary Club da Benedita quer envolver as associações locais, entidades e comunidade nas comemorações.
O primeiro desafio é que participem numa reunião de trabalho que vai ter lugar amanhã, 14 de Janeiro, no Externato Cooperativo da Benedita. O encontro visa a identificação de propostas de trabalho comemorativas e de reflexão sobre o Desenvolvimento Comunitário e a criação de uma comissão coordenadora das mesmas.
Nos últimos meses, os rotários têm levado a cabo diversas pesquisas em bibliotecas e universidades. O grupo “conversou com técnicos que, nesses anos, estiveram na Benedita e com beneditenses que integraram as diversas comissões que foram criadas”, dizem os responsáveis do Rotary Club, garantindo que “o que caracteriza e define a freguesia da Benedita, no tempo presente, tem raízes profundas no trabalho que foi dinamizado nestes três anos e nos seguintes”.”
Assinalando o infausto desaparecimento da Professora Manuela Silva, pedimos a uma personalidade marcante daquela vila que já na altura e posteriormente desempenhou importantes funções no mundo social – o Dr. Acácio Catarino – que nos realçou em relação aquele projecto “o facto da professora Manuela Silva ter liderado a «Equipa Piloto», que dinamizou o processo, «trazida» pelo então Padre (depois Cónego) Serrazina, num trabalho de animação local”.
Descreve a criação de “uma comissão representativa dos vários «lugares» e sectores; o agrupamento de várias oficinas de sapateiro em fábricas de calçado; a motivação para a criação do que é hoje o Instituto Nossa Senhora da Encarnação – Cooperativa de Ensino e Cultura (mais conhecido por Externato Cooperativo da Benedita) e um estudo sobre as mulheres da freguesia…”
Lembra também a “teorização que a professora Manuela Silva fez sobre o assunto e o seu contributo para que outros investigadores e técnicos também se dedicassem a ele.”
Afirma ainda que “convirá articular a experiência de desenvolvimento comunitário na Benedita com outras atividades da professora Manuela Silva, nomeadamente a sua liderança do projeto de plano de desenvolvimento económico e social (infelizmente não aprovado), quando foi Secretária de Estado no I Governo Constitucional. Este projeto realçou bastante o objetivo do pleno emprego, mediante a cooperação da Organização Internacional do Trabalho”, lembrando que “de então até hoje, nunca foi dado cumprimento ao disposto nos artºs. 90º. e 91 da Constituição.”
Queremos assim testemunhar o nosso tributo quando do seu desaparecimento.

































