Amélia Sá Nogueira
Socióloga e Ceramista
O som das vozes que vinham daquela mesa no canto do café faziam-se ouvir na sala oscilando entre um tom mais alto e a quase surdina. Foi uma frase, uma simples frase que me fez virar a cabeça e querer olhar para o rosto daqueles quatro homens – “Eu sei João, estamos nos antípodas do pensamento um do outro mas conseguimos debater ideias e formas de ver o mundo…e até te digo mais, estes nossos encontros de fim de tarde, este nosso ritual, faz-me falta!”. O João, um homem na casa dos sessenta anos, tal como os seus parceiros de conversa, respondeu com um sorriso. Um sorriso de concordância, de amizade, um sorriso de quase orgulho. Imaginei que aqueles encontros fossem um hábito enraizado nas suas vidas como um escape ou uma necessidade. Um corte com as suas atividades profissionais e com as suas vidas familiares como se aquelas tertúlias estivessem quase num plano do sacrossanto.
Nos 49 anos após a Revolução de Abril, conceitos como a liberdade de expressão e a liberdade de pensamento tornaram-se isso mesmo, meros conceitos, quase vazios de significado e valor. Temos a liberdade como um dado adquirido, o pensamento crítico partilhado, a consciencialização da participação social válida, o debate entre as diferentes visões ideológicas do mundo tende a recuar dando lugar à mera exposição individualista de pensamento. Vivemos tempos de uma liberdade individual contra a ideia de uma liberdade coletiva.
Como mudaram os cenários sociais e políticos num curto espaço de tempo, no tempo de uma geração? Como mudaram as relações interpessoais? Questiono-me sobre o futuro. Como será a participação social das futuras gerações? Que força terá no futuro a liberdade de expressão, a liberdade de pensamento?
Volto de novo o olhar para a mesa do canto onde a conversa flui e invade-me um quase sentimento de nostalgia. A liberdade tida como intocável nos atos, na palavra dita, na palavra escrita ou mesmo na palavra cantada precisa ser cuidada e vigiada.
“Dá mais força à liberdade”!
Termino com esta crónica um ano de colaboração mensal com a Gazeta das Caldas. Deixo um sentido agradecimento pelo convite que me foi endereçado e um profundo reconhecimento a todos os excelentes profissionais que fazem essa casa. ■

































