letra de médico – A animação de Verão

0
675

A cidade está animada. Está a cidade e está a região… Não faltam iniciativas recreativas e culturais. Há festas, feiras, festanças, manifestações religiosas, procissões, encontros, tasquinhas, animações de rua, arraiais. Há animação para todos os gostos.
O sociólogo Pierre Sanchis, citado por Graça Índias Cordeiro numa publicação do ISCTE, de 2015, afirmou: “Chega a Páscoa e a primavera, e Portugal inteiro entra no ritmo da festa, até aos primeiros anúncios do outono. Ritmo que, aliás, apenas abranda durante os meses de inverno. As aldeias celebram o seu patrono principal na igreja da paróquia e na praça que a rodeia […] as cidades importantes multiplicam as festividades que culminam geralmente com a festa municipal ou do “Concelho”, festa que pode durar vários dias e juntar à espontaneidade da multidão, que então ocupa a rua, as cerimónias religiosas, os espetáculos e desfiles programados e organizados pela administração…”.
Para além das iniciativas de cariz mais popular, há também autarquias que promovem iniciativas de âmbito mais erudito, de que são exemplos a Semana Internacional do Piano de Óbidos (SIPO), permitindo, por exemplo, os belos momentos da audição de um recital de cravo no Santuário do Senhor Jesus da Pedra (recentemente recuperado em todo o seu esplendor), ou o Cistermúsica – Festival de Música de Alcobaça, com um programa diversificado. Que me lembre, a SIPO estendeu-se pela primeira vez ao CCC de Caldas da Rainha, numa interligação cultural Caldas-Óbidos que não é muito comum.
Falar de animação cultural e recreativa remete-me para uma velha frase bíblica, atribuída a Jesus: “Nem só de pão viverá o homem…”. Comungo dessa ideia. É preciso cultivar o espírito. Mente sã em corpo são. Mas confesso que o que me ocorre é a figura de Epicuro, o filósofo grego que temperou o hedonismo, defendendo que, para ser feliz, o homem precisava de três coisas: liberdade, amizade e tempo para filosofar. Na verdade, vivemos tempos mais prosaicos e pouco dados a reflexões, sejam elas introspetivas ou mais viradas para o Outro.
As festas populares são um encontro de vontades, erguidas por vezes à custa de voluntariado, muitas delas de importante cariz social e que, na verdade se inscrevem numa lógica “dialética de alienação/libertação”.
No texto já referido, da autoria de Graça Índias Cordeiro, lê-se o seguinte: “o arraial é romaria e, simultaneamente, não é romaria, pois o sagrado e o profano se misturam; é, sim, o espaço enfeitado onde se faz a festa, é o conjunto das pessoas que a fazem, é a totalidade das atividades que aí se desenvolvem.” É “antes de mais, um espaço profano onde se canta, se dança, se toca música, se come, se fazem trocas e comércio; e onde também se luta, se namora”.
Esta descrição dos arraiais faz-nos pensar especialmente nos espaços rurais. Contudo, nos espaços urbanos, as festas de verão poderão ter um cariz ligeiramente diferente, mas não muito. Serão até, talvez, menos genuínas. O certo é que não dispensam as tasquinhas de comes e bebes, as festas brancas na praia, a música popular debitada a altos decibéis na via pública.
Como nas dietas, é preciso um pouco de tudo, e não digo que dessa água não beberei. Mas, na verdade, em termos de animação cultural revejo-me mais no outono. Fico ansiosamente à espera do Folio de Óbidos. E, também, do Caldas Nice Jazz.

António Curado
curado.a@gmail.com

- publicidade -