Jorge Sampaio e as Caldas da Rainha

0
657

João Bonifácio Serra

Neste tempo de evocações de Jorge Sampaio, procurarei centrar o meu testemunho nas memórias que guardo sobre as suas passagens pelas Caldas da Rainha. Correspondendo ao pedido da Gazeta, espero que os leitores do jornal aceitem este desfiar de histórias que certamente não estarão no grande foco mediático destes dias.

Memórias de infância
É do conhecimento caldense a ligação de Jorge Sampaio à cidade por via familiar: era sobrinho do escultor António Duarte cuja esposa (a pintora Regina Bensaúde Branco) era irmã da sua mãe (Fernanda Bensaúde Branco, professora de inglês).
António modelou a cabeça do sobrinho em 1942, tinha ele 3 anos. Jorge apreciava particularmente este trabalho do tio. Um dia confidenciou-me: o meu tio tinha a capacidade de antecipar o que seria o modelo anos mais tarde.
Na primeira metade da década de 1950, Jorge veio algumas vezes passar dias de férias às Caldas, com o seu tio, que, entretanto, tivera um filho, Filipe Duarte Santos, mais novo 3 anos que o seu primo Jorge.
Desses Verões nas Caldas, Jorge Sampaio recordava-se bem da loja de Joaquim da Silva Santos, irmão mais velho de António Duarte (de facto meio-irmão, filho de um primeiro casamento do pai, também chamado Joaquim da Silva Santos), que a minha geração ainda conheceu e aponta como um exemplo da desordem aparentemente caótica de uma velha papelaria/livraria.
Na cidade ainda se respirava uma aragem cosmopolita, marca da passagem de centenas de refugiados na década anterior, em fuga de Hitler e da invasão nazi de diversos países europeus. O jovem Sampaio notou-o e várias vezes mo referiu.

- publicidade -

Visitas às Caldas antes de 1996
A 22 de Janeiro de 1985, data da inauguração oficial do Atelier-museu Municipal António Duarte, Jorge Sampaio acompanhou o tio nessa tarde gratificante. Era então deputado eleito pelo Partido Socialista.
Uma década mais tarde recebi-o nas Caldas em circunstâncias completamente distintas. Na primeira semana de Novembro, recebi um telefonema da organização da sua candidatura perguntando se era possível efectuar nas Caldas a primeira saída do candidato. Eu tinha sido convidado pelo PS para mandatário concelhio. A visita ficou agendada para 18 de Novembro, um sábado. Sampaio, que passara antes pelo Bombarral, percorreu a praça da fruta (comprou um pote de mel) onde foi recebido com alguma frieza, percorreu a seguir a rua das Montras (aqui a comitiva foi crescendo), entrou na livraria 107, continuou pela rua Miguel Bombarda até um dos primeiros prédios da avenida da Independência (uma vivenda adquirida pelo Eng. Mário Pacheco) onde inaugurou a sede de candidatura. Mandatário e candidato falaram aos apoiantes, à janela da vivenda. O escultor José Aurélio fez questão de lhe oferecer uma peça escultórica da sua autoria.
Seguiu-se um almoço onde dei as boas vindas ao candidato. No meu discurso procurei reflectir, a partir da minha experiência de deputado municipal, sobre o tema da descentralização. No final, Jorge Sampaio pediu-me o discurso e deu-o ao jornalista Peres Metelo. Talvez o João Serra pudesse ajudar a escrever textos, sugeriu-lhe. Este inesperado desafio acabaria por mudar o rumo da minha vida.
No meu gabinete em Belém, figurou sempre uma fotografia à janela da vivenda da avenida da Independência Nacional. Suscitava com frequência a pergunta jocosa dos meus colegas: vê-se bem que és tu, mas aquele sujeito ao teu lado, quem será?

Dias da cidade
Não posso afirmar que tenha sido o único Presidente a fazê-lo, mas foi certamente um caso raro: Sampaio presidiu às celebrações do dia do município por duas vezes. A primeira vez ocorreu a15 de Maio de 1997, pouco mais de um ano decorrido desde a sua tomada de posse. Durante a sessão solene no salão nobre da Câmara Municipal, foi homenageado António Duarte que usou da palavra. António Duarte não falava em público com à vontade e era avesso a revelar emoções. Por isso guardo na memória a declaração com que fechou as suas breves palavras: “gosto muito de ti, Jorge”. Seria a última vez em que se encontrariam em público, pois António Duarte faleceu no ano seguinte. Tio e sobrinho receberam as medalhas de honra da cidade.
Durante a tradicional visita ao Hospital Termal, foi acompanhado pelo Dr. Mário Gonçalves. Entre os dois homens de imediato se estabeleceu uma corrente de simpatia. Jorge Sampaio sempre prestou atenção aos temas da saúde, em especial da saúde pública, a que seu pai se dedicara profissional e civicamente. O facto de o dr. Mário Gonçalves ter conhecido o dr. Arnaldo Sampaio aproximou ainda mais o Presidente do então presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha.
Em 15 de Maio de 2004, Jorge Sampaio voltou às Caldas. Inaugurou o Ateliê-Museu Barata Feyo, cujas obras visitara em 2001. No fim da cerimónia quis voltar ao espaço, e no meio da visita à sala das esculturas dá com uma tela onde se podia ver um retrato inacabado que o artista Ferreira da Silva esboçara no ano anterior. Alguém registou em fotografia esse momento inusitado.

Outras visitas Jorge Sampaio voltaria as Caldas durante os seus mandatos em mais três ocasiões.
A 21 de Julho de 2001, inaugurou as obras de ampliação do Ateliê-Museu António Duarte e visitou as obras do novo Ateliê-Museu dedicado a Barata Feyo. Nesta visita teve a companhia do seu primo, Filipe.
No ano anterior, a 20 de Março visitou a Escola de Sargentos do Exército, no âmbito de uma visita territorial aos concelhos do Oeste que ele queria conhecer in loco depois do empenho que pusera em encontrar uma solução política para o diferendo sobre as portagens do Oeste, em 1998. Voltaria à ESE em 2004, agora no âmbito das comemorações do 30 aniversário do 25 de Abril.
Finalmente, a 12 de Março de 2000 esteve na sessão de abertura do II Encontro Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Secundário e Básico que ocorreu nas Caldas.
Ainda estava programada uma vinda às Caldas, à ESAD, para onde estava programada a sessão de abertura do ano lectivo do Instituto Politécnico, mas, à última hora, o Presidente do IPL anulou a cerimónia.
Penso que não restaram dúvidas: se há Presidente a quem as Caldas suscitaram uma atenção desvelada esse Presidente chama-se Jorge Sampaio. ■

1995 – inauguração da sede de campanha de Jorge Sampaio na Av. da Ind. Nacional
2004 – No ateliê-Museu António Duarte, ao lado de retrato da autoria de Ferreira da Silva
- publicidade -