
Saikiran Datta
investigador
Habituamo-nos a festejar o aumento de preços, dando boas-vindas à subida do pão e da eletricidade enquanto ainda se prepara a chegada do ano. Serpentinas que infiltram algibeira e foguetes que lançam expetativas. Novo ano traz sempre novos preços. Novos hábitos substituem os antigos: o pão feito no forno e a lamparina, que iluminava a simplicidade da vida do rural, dão lugar ao pão industrial e à complexidade das relações comerciais.
No primeiro quadrimestre, a economia encaminhou para um aumento dos preços em múltiplos de 20 ou 22. Um sinal de ‘bom’ agoiro! Ainda mal se estabilizou o efeito da pandemia que os aumentos têm desestabilizado o bolso do rural. O poder de compra tem sofrido uma diminuição. Tal como uma montanha russa, uma descida momentânea de preço traz logo uma subida brusca. Para quem comprava na Praça da Fruta alimentos pesados e medidos em quilos e dúzias, vai agora lidar com gramas e unidades. Nabos só à cabeça e hortas metade do molho! Já os supermercados fragmentam o favorito bacalhau ou o majestoso salmão em porções de 2,5€ cada para camuflar o horror da inflação. Para que não se assuste, essa escalada tem sido gradual. Tal como a peixeira que escala o peixe, a inflação abre a carteira, estripa-a e salga a ferida. Com Páscoa à porta, a subida de preço é uma estação do Calvário em que se crucificam hábitos tradicionais. O nosso freguês compra cada vez menos pelo mesmo dinheiro que dantes gastava, deixando-o apenas meio saciado. Em média, as compras familiares que custavam 100€, actualmente custam mais 20%. Um esquema inverso daquela prática comercial em que gastando 50€ acumulavam 10€ no cartão. Tudo reduzido a cupões, aplicações, cartões e promoções; compras com complicações. A escolha alternativa pela escassez dos recursos obriga a depender somente das promoções e das marcas brancas. Estas últimas e os bens sucedâneos, a que nos dependemos em alternativa quando o preço dos bens principais sobe, têm sido o nosso salvador. Ironia que a própria alternativa – o genérico, o sem-aditivo e o sem-perfumado – também já começa a desfalcar a carteira. A inflação testa a elasticidade da pobreza em relação à felicidade: quanto mais se estica, magro e infeliz o nosso rural fica.
A vida do freguês – a eletricidade com potência reduzida (meia vela acesa) e uma dieta mediterrânea em curso (pão duro, nem azeite nem peixe na caldeirada) – está escura e faminta nos festejos da pobreza. Num ano de sobrevivência, a felicidade é contada em tostões. ■
































