In memoriam: ao amigo e colega professor Coutinho

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Sendo sempre estúpida a morte, a tua foi-no por maioria de razões.
Esperavas estar a fazer o que era o bem, minorar o sofrimento inútil de um cão acorrentado, libertando-o, e veio o reverso trágico de uma recompensa.
A nebulosa que envolve o que nesse transe fatídico ocorreu, há-de dissipar-se e fazer-se luz. Se crime houve, que a justiça puna o seu autor com exemplaridade. Mas o irreparável da tua morte, Coutinho, fica a gritar para sempre o seu sem-sentido.
Guardo de ti a verticalidade das tuas atitudes, destemidas, ousadas, como uma herança que fica a pairar na memória dos que te conheceram, convocando-as à sã rebeldia que animou a tua vida.
O teu espírito livre, dissidente e desassombrado, sobretudo em relação ao que bulia com a tua consciência, foi a bandeira que a tua vida desfraldou, e por isso foste, muitas vezes, malquisto ou mal interpretado.
Essa independência pessoal ciosa congraçava ao mesmo tempo com o sentido do outro, que nunca querias importunar por nada deste mundo.
Como exemplo, relato o que um amigo comum (o Baptista) me disse: “aconteceu que um dia, quando convidei o Coutinho para uma viagem no seu carro, ele recusou (para não ser incómodo àqueles com quem viajava), dizendo: vou no meu carro, um samurai acompanha-se sempre do seu cavalo”.
A par destes traços de personalidade, ressumava a tua presença uma imensa bonomia e ternura: tinhas o sentido da amizade e da camaradagem bem vivas.
O mesmo se verificava em relação aos animais, que estimavas como se humanos fossem. A história do cão que querias salvar toma aqui o seu sentido. Ou o seu sem-sentido, da morte por um cão.
À família enlutada, os meus sentidos pêsames.

Vasco Tomás

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