Ilha Charron, a vitória do bom senso sobre o «desenvolvimento»

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notícias das CaldasJá em crónicas anteriores mencionámos a particularidade de toda a zona metropolitana de Montreal, incluindo a própria cidade, ser  constituída por variadíssimas ilhas fluviais, cuja superfície surpreende a maioria dos visitantes. Ainda na passada semana, uma jovem familiar que aproveitou uma estadia profissional de algumas semanas na cidade de Washington D.C., nos Estados Unidos, para visitar as duas maiores áreas metropolitanas do leste canadiano, Montreal e Toronto, enquanto viajávamos sobre uma das múltiplas pontes que constantemente atravessamos, nos perguntava se seria Montreal a Veneza do Canadá. É claro que não, dadas as características das duas cidades.

É, no entanto, bem visível para todos os visitantes que, enquanto nos deslocamos na zona, a água está sempre presente, o que se compreende, não fosse o Canadá possuidor das maiores reservas de água doce do nosso planeta, e que são neste momento objecto de duras negociações com os nossos vizinhos do Sul e com a União Europeia.
Chegados aqui, é altura de passarmos a explicar a razão do título desta semana. Só na margem sul do rio São Lourenço e num curto raio de 10 a 15 quilómetros da nossa residência, contamos cerca de cinco a seis pequenas ilhas fluviais. Algumas habitadas, outras ocupadas por espaços de lazer, e outra, a conhecida Ilha Notre-Dame, que, além de uma praia fluvial, conta apenas com o único casino da zona, e a pista de automóveis onde, além de outras provas menos importantes, se realiza anualmente a corrida do Grande Prémio de Fórmula 1 do Canadá. A maioria, no entanto, continua em estado selvagem, funcionando como habitat natural para inúmeras espécies de aves e animais.
O tema desta crónica – a Ilha Charron – é uma destas ilhas. Pequeno espaço de terra, no meio do grande rio, que não vai além de 20 hectares. É apenas atravessada por uma estrada de terra batida e possui um pequeno porto fluvial. Está situada à saída do túnel que atravessa o rio São Lourenço para Montreal, e ao lado dela existe uma outra ilha, a ilha de Boucherville, que é desde há vários anos reserva natural e imenso parque de merendas, (expressão tipicamente quebequense) com um terreno de golfe, onde as famílias se deslocam durante o fim-de-semana, e beneficiam de amplos e despoluídos espaços verdes, com a grande cidade, logo ali, do outro lado do rio, e a menos de 3 quilómetros de distância.
A ilha Charron possui assim as características ideais para a construção de habitação de luxo, e o enriquecimento rápido do respectivo promotor imobiliário.
Apercebendo-se duma pequena falha  no plano de ordenamento do território no qual estava inserido aquele espaço, um jovem investidor local, Luc Poirier, decidiu em 2007 adquirir todo aquele espaço pelo qual pagou na altura a quantia de 6 Milhões de dólares. Praticamente a partir da data da assinatura do contrato de compra e venda, transmitiu às autoridades municipais da nossa cidade de Longueuil a intenção de construir algumas torres de habitação.
Devido à mencionada falha que existia na legislação, mediante determinadas condições, os nossos eleitos municipais foram postos perante um facto praticamente consumado, que iria transformar um espaço selvagem, num tipo de complexo habitacional que estamos mais habituados a ver nas cidades europeias, onde se privilegia a construção em altura, do que na nossa região, onde, felizmente e como dizem os nossos cousins franceses, ainda existem espaços amplos e virgens para as gerações que depois de nós, virão.
Assim , em meados do passado mês de Setembro, após variadíssimas consultas aos seus habitantes e duras negociações, a Câmara Municipal da nossa cidade, fez uma última oferta de 15 Milhões de dólares ao promotor, que sentindo que a maioria dos seus concidadãos estava contra o seu projecto habitacional, acabou por aceitar. Realizou ainda assim, um «pequeno» lucro de 9 Milhões de dólares, no espaço de 4 anos em que foi proprietário da ilha. Muito inferior no entanto ao que faria, se obtivesse as respectivas licenças de construção. O nosso município perde todos os impostos municipais a que os novos imóveis ficariam sujeitos, mas a população mantém um espaço do qual pode continuar a usufruir, para não falarmos na preservação da fauna existente.
A ntes de terminarmos não podemos deixar de pensar no que fariam os eleitos da cidade das nossas origens, tendo em consideração a recente transformação, não só da cidade centro, mas também da maioria das praias da zona oeste, do pequeno espaço lusitano. Tudo em nome do lucro rápido e fácil, e a troco evidentemente de alguns impostos adicionais, justificados por um determinado tipo de «desenvolvimento».

J.L. Reboleira Alexandre

jose.alexandre @videotron.ca

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