Terça-feira, 8 de março de 2022, 18h30, Alemanha
Já o sol se começava a pôr. Última paragem antes da fronteira. Era necessário organizar a equipa: preparar as mantas, as almofadas, aplicar as cadeirinhas e equilibrar a divisão dos mantimentos pelas 3 carrinhas. Avançamos, agora, rumo ao primeiro local de acolhimento em Pewel Slemienska. Nas carrinhas, um fervilhar de entusiasmo sobrepunha-se ao receio e ansiedade da equipa. Fomos aproximando-nos e eis que ali, já nevava. As ruas estavam cheias de neve, a estrada muito escorregadia, e nas carrinhas íamos muito devagarinho, subindo e apreciando o lugar coberto de neve. Passados alguns minutos, o GPS dizia-nos que tínhamos chegado. Estávamos perante uma casa grande, gradada em todo o seu redor com um jardim de carros abandonados. Ligámos para o contacto que nos tinha sido indicado. Dois homens agasalhados foram ao nosso encontro. O portão abrira-se e foi-nos dada autorização para entrar. Os olhares desconfiados dos “donos da casa” deixaram-nos apreensivos. Não sabíamos se era uma casa de habitação, uma casa de acolhimento ou outra coisa qualquer… mas isso pouco importa. Tudo era frio quanto a neve que estava à nossa volta. Haviam muitos rostos e nao sabíamos qual esperava por nós. Com um olhar vazio descia uma jovem acompanhada pelas suas duas filhas que numa agitação descoordenada se dirigiu à carrinha, circundando-a. Sem cruzar olhares entrou com as suas crianças, sentou-os nas cadeirinhas, colocou os cintos e depois de confirmada toda a documentação, assim que materializou a partida, tranquilizou. Despedimo-nos e iniciámos nova viagem. Desta vez, a caminho de Shehyni.
Continuava a nevar. O “limpa neves” andava pelas ruas e desta vez, era a descer. A estrada parecia uma verdadeira estância de ski. Era preciso distanciar as carrinhas não fosse alguma embalar. Travar, ali no meio de alguns kms de floresta não era solução. Estávamos literalmente “cagadinhos” de medo. Mas continuámos e assim que a altitude foi reduzindo, a neve foi desvanecendo. Em segurança, fizemos mais 234Kms e duas horas e piques depois estávamos na base logística de Shehyni e como diria o saudoso Solnado, sentimo-nos à porta da Guerra. Militares, Polícias, Bombeiros e Muitos Voluntários de organizações internacionais transformavam o estacionamento de um supermercado num acampamento desorganizado. As tendas grandes era habitadas por bens alimentares e muita roupa que constantemente chegara em carrinhas e camiões vindos de todas as partes do mundo. Depois de alguma fila, entramos neste base vigiada pelas autoridades polacas, estacionámos as carrinhas e fez-se silêncio. O clima era muito pesado e não sabíamos muito bem o que fazer. Rapidamente apercebemo-nos de um pavilhão que julgávamos ser apenas para credenciação de todos os que, como nós, se deslocavam ali para levar em segurança os seus familiares e amigos. Mas não, Deparámo-nos com um cenário inigualável. Em três pavilhões enormes estavam pessoas deitadas em colchões improvisados. As mães agarradas aos mais pequeninos abraçavam-nos para os aquecer. Nos corredores, uma verdadeira correria sempre que chegava um autocarro ou uma “carrinha da salvação”. Eram centenas as pessoas que aguardavam por uma dessas.
Nunca nenhum de nós esperou alguma vez assistir a uma dicotomia tão ingrata. Se, por um lado, ouvíamos mulheres que choravam o facto de sair do seu país abandonando o seu marido, a sua casa… por outro lado o desespero das famílias que enviavam agora o seu “chefe de família” para a guerra com a missão de lutar e defender o seu país. Após a credenciacão feita, e depois de alguns minutos, chegaram as mulheres e crianças que íamos buscar. Estavam assustadas e muito desconfortáveis. Os olhos esbugalhados da maioria, as lágrimas que caiam por cada rosto, ainda com a indecisão de se deveriam mesmo abandonar os seus maridos… Depois de alguma ponderação e alguma conversa com os nossos “tradutores”, la se decidiram. A vida dos seus filhos estava em primeiro lugar, e é acima de tudo por isso que todas lutam. O nosso objetivo estava agora concluído. Passaram algumas horas, e nesta hora em que vos escrevo acabámos de almoçar e estamos a passar a fronteira da Polónia para a Alemanha. Já parámos para os meninos brincarem e esticarem a perna. As mães sentem-se seguras, com os seus filhos protegidos. Estes, mesmo aqui atrás de mim, riem, cantam e brincam nas carrinhas da esperança que seguramente lhes garantirão um futuro em segurança.

































