Geração grisalha e geração “rasca”: a mesma luta!

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A expressão “geração rasca” teve honras das primeiras páginas na década de 90 enquanto que a “geração grisalha”, melhor a “peste grisalha”, foi um epifenómeno que emergiu em Portugal na sequência na crise financeira e orçamental do início desta década e dos cortes que os reformados sofreram nessa época.
Em menos de uma década, e na sequência de uma pandemia global surgida na China que inundou o resto do mundo no início de 2020, por razões que a razão não conhece, foi desta vez a geração grisalha está a ser a principal vítima involuntária da mais horrível mortandade, especialmente nos países mais desenvolvidos.
Quando me refiro nas minhas aulas às marcas definidoras do tempo actual e do que o espera no médio prazo, tenho sempre em conta as tendências pesadas, aquelas que perduram no tempo longo, onde a longevidade e a esperança de vida são um dos traços fortes, juntamente com a globalização, a crescente urbanização ou a imaterialização da economia, entre outras.
Afirmo que estatisticamente a esperança de vida aumenta nos países desenvolvidos 3 meses em cada ano, estimando que dentro de três ou quatro décadas a esperança média de vida para qualquer pessoa num país desenvolvido possa rondar os 90 anos, dado que já hoje ultrapassa os 80 anos em muitos países, incluindo o nosso.
É evidente que poderão ocorrer factos anormais e impensáveis que provocam rupturas, podendo interromper estas tendências pesadas, como, por hipótese a ocorrência de uma guerra ou, hipótese que parecia mais remota ainda, o surgimento de uma pandemia global.
Mas quando referíamos estas potenciais ocorrências, muito longe estava de nós, a possibilidade de ocorrerem, uma vez que estávamos cientes que dificilmente aconteceriam, uma vez que os homens e as suas organizações dispunham de meios para lhes acorrer atempadamente e cortar-lhes o caminho.
2020 e a Covid-19 vieram demonstrar-nos à saciedade que afinal esses acontecimentos quase impossíveis de acontecer, estavam mais presentes no horizonte que à primeira vista esperávamos.
Mais trágico, para além da impensável repentina paragem da vida em quase todo o mundo desenvolvido e não só, naquilo que esse facto tem de surpreendente e de inesperado, é que esta epidemia global atinge no seu cerne especialmente esta geração grisalha. Recorde-se que, para muitos dos mais jovens, esta geração era envergonhadamente entendida como um peso para as suas contas da Segurança Social e dos custos de saúde e hospitalares, bem como para a insuficiência dos salários que eles próprios recebiam.
A gratidão destes para aqueles que construíram o mundo, mesmo com múltiplas incoerências e variados atropelos ao equilíbrio ambiental e social, por vezes parece ou parecia inexistir e, quantas vezes, sugeria implicitamente haver um desejo de acelerar o seu envio para a lixeira da história e da vida e esquecer o passado.
E isso ocorre das mais variadas formas e com os mais velhacos argumentos, sendo muitas vezes utilizados os lares e outros locais para os mais velhos como depósitos a prazo para esperarem o julgamento final. Para mais, em muitas sociedades, o envelhecimento não se faz, para uma grande parte, com a qualidade de vida e a autonomia desejada e desejável, razão pela qual ficam muitas vezes enfermos ao abandono e ao desígnio da natureza e da sorte.
A ceifa ocorrida em países desenvolvidos como a Espanha, Itália e França, enquanto não se conhece a evolução mais profunda desta “peste do séc. XXI” noutros países, demonstra que algo está de muito errado, perante o curso imparável dos desígnios de um fenómeno imponderado.
Certo que nesta sanha sangrenta, muitos outros são apanhados, especialmente aqueles que estão ligados aos serviços de saúde em geral e de cuidados aos idosos, em especial, para além de outras pessoas muitas vezes, resultado de grande imprevidência ou azar.
Não, esta não é a vingança da dita “geração rasca”, pois se trata de um infortúnio da natureza das coisas e consequência desse movimento de globalização (com tudo o de bom e mau que tem).
Mas dá para pensar se aqueles que muitas vezes têm responsabilidade de decidir, não usam critérios mesquinhos, interesseiros de vistas curtas, para aviar estas gerações grisalhas que podiam ainda dar tanto aos seus contemporâneos, dentro de uma lógica de economia de curto prazo e de mercearia….
2020 é o marco na história do Mundo e da Civilização, não sabendo se depois da tempestade, quando vier a bonança, a sabedoria dos homens mais esclarecidos e compreensivos, vai repensar tudo e colocar tudo em questão, para que o Mundo depois de 2020 seja muito diferente do Mundo que o antecedeu.
Será possível?
Fica-nos esta interrogação ainda quando não conhecemos os próximos dias que gozam de uma incerteza absoluta tanto em Portugal e como no resto do Mundo!

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