Só sei que nada sei. Dizia para os seus discípulos o velho filósofo, homónimo do recente ex-Primeiro Ministro de Portugal. Esta frase aplica-se sempre e cada vez mais a cada um de nós. E à medida que avançamos na idade sentimos mesmo, estar perante um axioma.
Os exemplos por que passamos na nossa vivência diária são tantos, que seria impossível estar aqui a enumerá-los.
Vamos começar por contar uma pequena estória, que nos aconteceu num dos últimos dias de calor da pretérita época estival, quando nos preparávamos para estacionar a viatura na rua do nosso local de trabalho.
Numa tentativa salutar de diminuir o número de automóveis na cidade de Montreal, as autoridades municipais dotaram a mesma com 535 quilómetros de pistas para bicicletas (sim o leitor leu bem….já são 535 Kms de asfalto em plena cidade, exclusivamente para uso dos ciclistas). Como se adivinha, a coabitação entre estes e os automóveis não é por vezes fácil. Assim e como dizíamos, naquele dia, alguns minutos antes das nove horas da manhã, preparamo-nos para estacionar a viatura na rua do nosso escritório, em frente do qual passa uma dessas pistas. Para evitar a massa de bicicletas que ininterruptamente circula à nossa porta, decidimos estacionar do outro lado da rua. Fazíamos a manobra de estacionamento, quando inesperadamente vemos aparecer à nossa frente um jovem ciclista. Surpresos por o ver ali, baixamos os vidros da janela do lado do passageiro, e perguntamos-lhe porque motivo não utilizava a pista do outro lado da rua. A resposta veio calma e célere:
– (parce que je ne veux pas) porque não quero!
O jovem, pela suavidade da pronúncia, revelava ser de origem francesa e com muito pouco tempo de residência nestas paragens, não se alongou na discussão, e, imperturbável, seguiu o seu caminho. Dissemos para os nossos botões, o fulano está a gozar, e se a polícia estivesse por perto não teria dito o que disse.
Ainda não tínhamos acabado de estacionar, quando passa em marcha lenta, uma viatura da polícia municipal. Sem esperar, mandamo-los parar, e contamos a peripécia em que acabávamos de intervir. No final do relato, e já algo excitados, ainda lhes dissemos que como de costume, chegam sempre atrasados, pois o fulaninho riu-se de nós e foi-se embora calmamente. Bastava terem chegado um pouquinho antes para lhe passar o devido raspanete, que lhe era devido pela insolência demonstrada. Parecendo estar habituados a este género de situação, os agentes da autoridade deixaram-nos desabafar tudo o que tínhamos para dizer, e no fim, sem qualquer tipo de agressividade respondem-nos com uma calma apenas igual à do jovem ciclista, momentos antes:
– Sabe, é que o jovem ciclista tinha razão e se chegássemos mais cedo o senhor é que acabaria por ter problemas!
É que depois da última modificação na legislação que regula o tráfego na cidade de Montreal, os ciclistas, não só têm sempre prioridade sobre os automóveis, como poderão ou não utilizar o espaço normal da via, independentemente da mesma ter ou não pista, num dos lados!
Não quisemos ouvir mais nada, mas ficámos a pensar, quanto as leis podem por vezes parecer ilógicas.
Como aparentemente ilógico, é o facto de na nossa cidade de Longueuil, todos os gatos e cães domésticos, serem obrigados a ter uma licença. E no caso dos proprietários dos simpáticos animaizinhos terem mudado de endereço sem avisar as autoridades municipais, quando a carta de renovação da respectiva licensa é recebida (esta correspondência não é nominal, mas sim dirigida a um local), no caso de não serem os actuais ocupantes do espaço os donos dos animais em questão, e não responderem a um segundo aviso entretanto enviado, sujeitam-se a uma multa, de acordo com os regulamentos do município.
O que à primeira vista poderá parecer um preciosismo das nossas autoridades, tem no entanto uma justificação bem válida. Consegue-se desta forma limitar o número de animais domésticos por habitação, e que neste momento, não pode ser superior a 3 gatos e 2 cães, não importando a raça. Por uma questão de higiene e saúde pública compreende-se perfeitamente. Obtém-se ainda igualmente uma melhor garantia de retorno dos animais perdidos, à casa dos donos.
Conhecedores no entanto, da aversão que a maioria dos proprietários de imóveis de aluguer tem, à presença de cães nos seus edifícios, estando dispostos na melhor das hipóteses a aceitar um ou dois gatos no interior das suas habitações, este regulamento municipal acaba afinal por se aplicar mais àqueles que habitam em casa própria, e que, por norma, mudam menos vezes de residência, do que à população que vive em casa alugada, e que, nestas paragens, muda de sítio como se muda de camisa.
Aproveitámos assim esta crónica, para falar de duas situações que poderão parecer bizarras para o leitor residente em Portugal, mas que para nós, são o reflexo duma sociedade organizada,… em demasia por vezes…, como repete sempre a nossa companheira.
J.L. Reboleira Alexandre
































