Ser da província
Esta sina de viver no Oeste a caminho de Lisboa tem as suas coisas. Um dos meus primeiros choques foi dizer ‘bom dia’ ao sair de casa de manhã e olharem para mim como se vissem um ET. Sim, um ET com uma luz no dedo, e um ar feio, mas encantador, que havia de nascer anos mais tarde! Em Óbidos, quando eu era miúda, entre a nossa casa e a D. Fernanda Padeira, na descida para a igreja de S. Pedro, onde logo cedo íamos ao pão, havia um monte de gente a saudar. E mais gente ainda quando ia para a escola. Primeira conclusão dos meus dez anos, acabada de chegar à capital: estes lisboetas não falam uns com os outros.
Depois, falavam de forma diferente do Oeste, e com outras palavras… O rio e o tio eram ‘riú’ e ‘tiú’, joelho era ‘joalho’, reinar era brincar, vianinhas eram papossecos e puto… era mesmo um miúdo reguila, nada do que eu imaginava quando me vinham à cabeça as asneiras que conhecia. E que a minha Mãe me ensinou a dizer baixinho contra a parede do quintal, quando eu estava furiosa. Pois, asneiras não, coisa que em Lisboa…
Outra coisa intrigante. Feijão Santa Rita não é feijão-frade, nem feijão manteiga, nem feijão apatalado (acho que nunca escrevi esta palavra, que a minha avó dizia muitas vezes…). Ora, para os lisboetas, feijão era feijão. Conheciam o feijão-verde, com o qual se fazem os peixinhos-da-horta, e de resto ‘feijão’ era designação única para variadíssimos tipos de feijões. Ora bolas! Que pobreza.
E na Quaresma mandar rezar?? “Contratar contratar, quando vir mandar rezar, de manhã e à noite, e à hora de jantar, (…) quinta-feira de Endoenças te mandarei rezar!”, cruzando os dedos mindinhos para o contrato ser para valer. Claro, para lisboeta isto era muito fora. Não sabiam, claro, o bem que sabiam essas amêndoas, ganhas aos amigos mais distraídos.
Isto tudo era um bocado esquisito para uma obidense. Mas ofensivo mesmo era o ar com que nos diziam: “Tu vens da província?!”, assim mesmo, com ar sobranceiro, de quem se acha importante. Começa mal isto, pensei com os meus botões. E as saudades da Rua de Cima, em Óbidos, apertavam tanto, mas tanto, que ainda hoje me dói.
Muitos anos depois, talvez trinta, as minhas filhas foram terminar o secundário a Lisboa. Pensava eu que isto tudo tinha mudado. E qual não é o meu espanto, quando chegam a casa a ‘queixar-se’ de que lhes perguntavam se tinham vindo da … província! Lá lhes disse: pois digam que sim e com muita honra! E sejam Astérix a demonstrar a força dos gauleses a estes romanos, digo, lisboetas.

































