G de GAFA

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Alberto Costa
advogado

“Gafa” é palavra com múltiplos significados, não só na nossa língua como noutras – e até aqui no Oeste com específicas conotações. Quem fale espanhol e quem conheça Alcobaça não lhes associará à partida o mesmo sentido. Mas o acrónimo GAFA, surgido há já uma década, tem a uma escala bem mais larga o mesmo significado: criado a partir das iniciais das quatro companhias Google, Amazon, Facebook e Apple, designa hoje os gigantes da tecnologia (havendo também, além doutras, a variante GAFAM, para acrescentar a inicial da Microsoft).
Começar o acrónimo pela inicial da Google tem várias justificações que, apesar da rápida evolução do panorama mundial nestes últimos anos, se mantêm válidas. A grande companhia tecnológica de serviços on line e software dos Estados Unidos, principal subsidiária da Alphabet, nasceu com o objectivo de “organizar a informação mundial e torná-la acessível e útil”… e em certo sentido alcançou-o, atuando hoje através de mais de um milhão de servidores em “data centers” ao redor do mundo.
Acusada várias vezes de abuso de posição dominante, foi também já considerada “a marca mais valiosa do mundo”. E se uma marca é uma “representação concentrada” de um serviço ou produto, neste caso com reconhecida posição dominante no mercado, é justificado – mais do que isso, torna-se necessário – que lhe sejam nominalmente associados os seus erros, os seus limites, as suas insuficiências, e as falhas que se revelem na assunção plena de responsabilidade. Quem quer um mundo onde um passeio em mau estado nos leva a ferir a imagem do autarca ou uma frase infeliz a diminuir o crédito de um presidente (muitas vezes recorrendo a redes sociais e tecnologias das empresas em causa!) e, ao mesmo tempo, se exonerem os gigantes da economia e as suas marcas das falhas e danos ocasionados – ainda quando, à conta deles, nas nossas vidas, os tenhamos averbado sem apelo nem agravo?
A pequena história que relato, vivida por aqui, é endereçada à Google, como marca, como símbolo, entidade… e em última análise como o G de GAFA!
Há dias o meu filho veio visitar-me e passámos todo o almoço à volta de dois temas aparentemente muito afastados: as vidas dos nossos ascendentes… e as vantagens e as ameaças da inteligência artificial. O resultado foi que, como sobremesa, decidimos fazer apelo à Google Maps, propondo-lhe que nos “guiasse” de volta, e tão rápido quanto possível, a “Casal da Amada” (um lugar do concelho vizinho de Alcobaça donde os meus pais saíram a meio dos anos cinquenta, e corretamente referenciado, por exemplo, no ViaMichelin). Para quem não saiba, trata-se de um serviço fornecido e desenvolvido pela Google que em 2020 já tinha mais de mil milhões de utilizadores.
O algoritmo acolheu bem o pedido, procedeu à junção “inteligente” dos elementos e operações a que era suposto proceder (nomeadamente os provenientes de “fornecedores externos” escolhidos pela Google) e foi-nos propondo inúmeras, e às vezes humanamente incompreensíveis, voltas e contra-voltas, que fomos seguindo “fingindo” polidamente ignorar o caminho – e veio por fim a deixar-nos num outro sítio, numa outra freguesia, a vários quilómetros do pretendido, com o desplante de, repetidamente, dar como assente ser esse o destino final solicitado. Pois não era! E a falha no serviço é tão grosseira que – ficando-nos pelos mapas – bastaria o simples recurso ao ViaMichelin para o patentear.
Contando este episódio nos dias seguintes, apercebi-me de que histórias semelhantes tinham acontecido a muitos, nalguns casos com consequências bem mais penosas do que aqui, que o espaço obriga a deixar para outro momento.
O leitor não está a ler a pessoa certa para discutir inteligência artificial e tecnicalidades ligadas. Mas o episódio dá para intuir, bem “à humana”, que perante falhas próprias (e há outras bem mais graves e preocupantes!) também um gigante tecnológico pode sempre ser tentado por uma saida à pigmeu, assobiando para o ar, fingindo-se de morto ou passando a responsabilidade para terceiros – no limite, a humanidade-cliente. Foi Novalis (1772-1801), um grande ser humano, que escreveu sabiamente: “Quando vemos um gigante, temos primeiro de examinar a posição do sol e observar, para termos a certeza de que não é a sombra de um pigmeu”.

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