Ultimamente em Portugal muito se tem discutido sobre a moralidade, preferimos dizer, sobre a validade dos diplomas académicos de alguns importantes ministros, deste e do anterior governo. Olhando para trás e relembrando as frequentes visitas que fazíamos a Portugal nos anos do PREC e imediatamente a seguir a este, vivia-se uma situação análoga à que se tem estado a verificar ultimamente. De repente, alguns dos nossos antigos colegas do ensino secundário, uns formados pelos Institutos Industriais, deixaram de um dia para o outro de ser Agentes Técnicos, para passarem pomposamente a ser Engenheiros Técnicos, outros, formados pelas escolas agrícolas, os Regentes Agrícolas, eram os Engenheiros Técnicos Agrícolas e pensamos que apenas aqueles que, como nós, tinham obtido o antigo diploma dos Institutos Comerciais antes da revolução de Abril, não foram obrigados a alterar o título profissional nos respectivos curriculum vitae, mas como não podia deixar de ser, a escola onde nos formámos mudou de nome, e passou a chamar-se Instituto Superior de Contabilidade e Administração. Este pequeno problema dos nossos colegas de curso resolvia-se no entanto rapidamente, através da inscrição numa faculdade de Economia, e, alguns exames depois, obtinham também o ambicionado e respeitado título de doutores. Diga-se porém que, e em abono da verdade, as exigências eram na altura, bem maiores do que nos casos agora tornados públicos.
Como recentemente afirmava o antigo Bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, José Miguel Júdice, o ministro Relvas foi vítima duma coisa tipicamente portuguesa, toda a gente ambiciona ser doutor. Se não houvesse esta mania de se ser doutor, Relvas não teria optado por aquela solução, que é legal, como foram legais todos os diplomas obtidos administrativamente após Abril de 1974, mas não deixam de ter uma validade duvidosa. Dizia ainda Júdice, e passamos a citar:
-noutros países mais civilizados do que Portugal, ninguém se preocupa muito em ser doutor.
Sem querermos ferir susceptibilidades ou, com o exemplo que se segue, afirmar que o Québec é mais civilizado do que Portugal, vem a propósito uma recente análise que incidia sobre as habilitações académicas dos actuais ministros do governo desta província canadiana. Um dos mais importantes e delicados ministérios, o do Trabalho, é dirigido por uma senhora que não foi além do diploma do ensino secundário. A senhora Lise Thériault, depois da obtenção do respectivo diploma, apenas obteve uma formação intensiva em Matemáticas e Francês, e nunca lhe passou pela cabeça prosseguir os estudos no cégep (equivalente dos Politécnicos em Portugal, mas que não criam doutores nem engenheiros…) ou na universidade. Aos 19 anos já estava no mercado de trabalho. Ao completar 21 lindas primaveras era directora de vendas na empresa onde trabalhava, e um ano depois, adquiria a sua primeira habitação. Hoje é uma das mais reputadas ministras provinciais, e nunca se sentiu pressionada pela sociedade, no sentido de usar estratagemas menos claros, para obter qualquer tipo de grau académico.
O ministro Relvas foi incapaz de assumir a realidade do seu nível de escolaridade. Foi vítima da sociedade em que está inserido, a qual, depois de quase 40 anos a viver em democracia, continua refém dos seus velhos complexos, como acontece aliás, na vizinha Espanha. Seja claro que entendemos, que de uma forma geral, a formação académica é a melhor ferramenta com que um jovem parte para a vida real, mas temos sérias dúvidas sobre os hipotéticos ganhos societários resultantes da insistência por parte de alguns indivíduos em obter, custe o que custar, um grau académico, mormente em ramos que, na maior parte das vezes não têm quaisquer saídas profissionais.
O tempo perdido e os recursos investidos pela sociedade seriam mais proveitosos, se fossem aplicados no aumento da experiência profissional duma qualquer profissão, ou na transferência de conhecimentos adquiridos, para os mais jovens. Felizmente no entanto, começa a notar-se que as profissões manuais vêm sendo ultimamente mais valorizadas em Portugal, como aliás já aqui acontece há muitos anos. Pura lógica de mercado, afinal. A grande abundância de jovens com cursos superiores, face à escassez de operários especializados, leva a que os segundos acabem mais valorizados do que os primeiros.
Entretanto no Québec, depois da greve estudantil, que durava desde Fevereiro último, as escolas francófonas (mais uma vez, a clivagem entre francófonos, com uma adesão à greve da ordem dos 80% e anglófonos, que pura e simplesmente a ignoraram, foi por demais evidente durante a crise académica) voltaram às aulas, e vão tentar, em cerca de seis semanas de cursos intensivos, recuperar os quatro meses perdidos durante a greve geral entre Fevereiro e Maio, de forma a não perderem a sessão escolar do último Inverno. E no próximo dia 4 de Setembro a democracia voltará a falar. Dos três partidos mais importantes em luta pelo poder, um será chamado a formar um governo minoritário, tão reduzidas são as diferenças pontuais entre todos, segundo as últimas sondagens efectuadas pelas diversas firmas especializadas, junto dos habitantes da província, que são canadianos por nascença ou opção. Isto apesar do número de indecisos, ao contrário do que é habitual, ter vindo a aumentar nas últimas sondagens, nesta grande ilha francesa instalada no seio deste imenso mar anglófono, que é a América do Norte.
J.L. Reboleira Alexandre
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