Sem qualquer exagero pode dizer-se que há, no nosso mundo, palavras desaparecidas. No tempo da minha infância (e da estrada de macadame) a palavra «bispote» usava-se muito. Qualquer bom dicionário explicará a quem não sabe: «vaso de noite, bacia». Mas o Dicionário da Sociedade da Língua Portuguesa dirá mais: «bacia, penico, doutor».
A origem da palavra tanto pode ser «pisspot» (no dito acima dicionário) como «bissepot» referido no livro «História da Vida privada em Portugal – A Idade Moderna» do Círculo de Leitores. Nas habitações de Santa Catarina nos anos 50 poucas eram as casas de banho e as que havia eram algo rudimentares, incluindo a da sacristia da igreja paroquial. De manhã despejavam-se os bispotes nos quintais e tudo era aproveitado para estrume ou esterco. Na Primavera, os mesmos carros de bois que tinham trazido o mato roçado nos pinhais, levavam de volta o mesmo mato transformado em estrume preto. Afinal o melhor fertilizante por ser todo natural – sem corantes nem conservantes.
Nenhuma das palavras («pisspot» ou «bissepot») aparece no meu querido «Webster´s Seventh New Collegiate Dictionary» da editora Merriam Webster (Massachusetts) mas não admira porque são palavras populares (não universitárias) mas já o meu também querido «Chambers everyday Dictionary» regista o verbo «to piss» o que significa «to discharge urine» ou seja, em bom português, apenas e só, «mijar». Mas não regista o termo «bissepot» na sua edição de 1975 embora em 1727 Raphael Bluteau afirme no seu famoso dicionário de português que «bispote» vem do inglês «bissepot» e significa «vaso de barro com uma asa para urinar».
Temos então um intervalo de tempo enorme entre o uso corrente de uma palavra pela minha mãe e pela minha avó em Santa Catarina nos anos 50 e o facto de só em 2011 ter ido descobrir essa mesma palavra ao ler um livro sobre o tema «História da vida privada em Portugal – A Idade Moderna». Mais do que a curiosidade de perceber que a Real Fábrica de Louça ao Rato produziu 143.473 bispotes entre 1769 e 1799 (muito mais que pias, lavatórios, bidés e bacias diversas) um outro aspecto me interessou (e comoveu) – foi uma carta de Isabel Juliana de Sousa e Menezes Monteiro Paim a seu pai (Vicente de Sousa Coutinho, embaixador em Itália e França) mostrando-se triste por saber que trataram do seu casamento com o terceiro filho do Conde de Oeiras em 1760. Vejamos:
«Meu pai e meu Senhor do meu coração: inda que escrevi segunda-feira a V. Exa. pelo correio que daqui partiu, não quero deixar de repetir esta diligência em que tanto se interessa o meu cuidado e a minha saudade. Eu vivo bastante desconsolada. O motivo, não me atrevo a dize-lo, porque V. Exa. nunca me falou em tal matéria; por isso eu também não tenho falado nela. Peço a V. Exa. me responda sem mostrar à avó que eu fiz esta e eu a deito solta no correio porque a avó me lê todas as minhas cartas. Espero que V. Exa. me desculpe esta confiança, lembrando-se de que eu não tenho outra pessoa de quem me valha, senão V. Exa. A tia Joaquina, sempre que me vê, me pede a recomende a V. Exa. A tia Leonor faz a mesma expressão e diz que não escreve porque V. Exa. não responde às suas cartas. Espero dever-lhe o favor da resposta desta e que me deite a sua bênção e creia, meu querido pai, que eu sou, de V. Exa., filha que mais o ama e respeita Isabel».
































