Estrada de Macadame – CCXIV – «A bola afasta os rapazes e os homens da taberna»

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No tempo da «estrada de macadame» havia, tal como hoje, vários tipos de futebol. Por exemplo em Santa Catarina havia um grupo (era assim que se dizia) chamado Grupo Desportivo Catarinense. Eles equipavam de preto e branco como o Caldas Sport Clube e tinham a roda das navalhas no emblema. Somos uma terra de navalheiros, isso é claro. Eram um grupo futebolístico informal, jogavam quando e com quem calhava, sei que há uma fotografia algures numa gaveta mas eis o nome de um «onze» do tempo do meu avô: José Penas, Joaquim Freire, João Ricardo, Diamantino Luciano, Fernando Ramos, Abílio Zeferino, Juventino Freire, José Leão, José Coimbra, António Freire e Carlos Pinheiro. Nessa equipa havia jogadores que eram também músicos, a saber: dois trompetes, um trombone, um caixa, um saxofone contralto, um clarinete, um saxofone tenor e um pratilheiro.
A partir de 1957 no Montijo já convivi de perto com um clube federado pois morava perto do campo Luís Almeida Fidalgo e fui apanha-bolas dos treinos do Clube Desportivo do Montijo. Recordo os homens que passavam à minha porta na Rua Sacadura Cabral com tijolos na mão para poderem ver o jogo sem pagar: o tijolo ajudava a colocar os olhos mais altos do que o muro do campo do Desportivo. Nesse tempo havia uns velhotes que não se cansavam de falar dos primeiros grupos existente na terra das festas de São Pedro – O Avenida e Os Onze Unidos. No ano de 1958 o Sporting Clube de Portugal foi campeão nacional com um golo marcado aos 87 minutos no campo do Barreirense por Joaquim José, meu vizinho no Montijo, antigo jogador do Montijo. Anos depois fui para Vila Franca de Xira e passei a conviver mais de perto com outra realidade – o futebol juvenil. Tudo porque tinha alguns colegas de turma e de escola a jogarem nos principiantes, nos juvenis e nos juniores. Principiantes era o nome ao tempo dos hoje iniciados. A partir de 1966, já em Lisboa, entrei para o «peão» do Sporting Clube de Portugal e passei a assistir em Alvalade aos grandes jogos nocturnos internacionais para a Taça dos Campeões, Taça das Taças e Taça das Cidades com Feira – mais tarde Taça UEFA. Tudo o que fiz depois de Agosto de 1988 quando entrei para o quadro de colaboradores do «Sporting» e de Janeiro de 1997 quando passei a integrar a redacção do jornal, pode dizer-se que tem a ver com essa paixão antiga que nasceu em Santa Catarina, passou pelo Montijo, por Vila Franca de Xira e chegou a Lisboa. Tudo o que fiz em A BOLA desde 1979 até 2003, em A Bola Magazine de 1992 a 1996, noutros jornais e revistas entre 1999 e 2005, a antologia «O Desporto na Poesia Portuguesa» em 1989 e os diversos livros de poemas que entretanto publiquei, tudo isso incluindo o livro «Glória e Vida de Três Gigantes» (com António Simões e Homero Serpa) tudo nasceu no percurso sentimental da minha relação com o futebol.
O que eu não sabia e foi uma novidade agora em 2010 foi que nos meus anos de vivência no Montijo um senhor de Ervedal que trouxe uma bola para os rapazes de Pegões jogarem no domingo à tarde no largo foi chamado ao presidente da Câmara Municipal do Montijo (Dr. Álvaro Mora) porque havia uma queixa de cinco taberneiros da terra dizendo que «a bola afasta os rapazes e os homens da taberna». Os cinco taberneiros desses distantes anos 50 eram: o Alfredo, o Zé Boleto, o Maneta, o Santana e o Queimado. Só mais tarde ouvi falar em Fado, Futebol e Fátima (a trilogia do Fascismo Português) mas este episódio que me foi revelado há pouco tempo por um sobrinho desse ingénuo senhor, revela bem com as coisas eram complicadas mesmo entre quem estava do lado de dentro da Situação. Afinal os cinco taberneiros de Pegões queriam tudo para eles. Tal como na canção de José Afonso – Os Vampiros.

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