A ESAD está mais pobre e é um lugar com menos liberdade de criação

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Depois do despedimento de um professor com sete anos de trabalho dedicados à casa, responsável pelo Curso de Teatro, que nesse intervalo de tempo se tornou no terceiro mais procurado no universo do IPL – Instituto Politécnico de Leiria, continuam a passar-se coisas es tranhas na ESAD – Escola Superior de Artes e Design, em Caldas da Rainha.

Nesta quinta-feira à noite (madrugada de sexta)  apareceu a polícia na Festa de Recepção ao Caloiro para desligar ostensivamente a corrente do PA e acabar com a festa, que estava em alta e prometia durar. Eram 02h00 da manhã. Nunca uma festa na ESAD acabou tão cedo e não há memória de alguma vez ter havido alguma iniciativa realizada na ESAD encerrada desta maneira pela polícia.
É triste e preocupante o que se está a passar com a ESAD. Como antigo aluno da casa e do professor João Garcia Miguel, sinto-me magoado e revoltado. O saneamento feito ao JGM só se pode explicar pelas pequenas invejas, que foram crescendo mudas e rasteiras, à medida que se foi afirmando a sua capacidade como professor e o reconhecimento público, e internacional, do seu talento como criador.
Recentemente recebeu em Barcelona um prémio pela sua criação “Burger King Lear”,  que à boa maneira da criação contemporânea estabelece pontes e diálogos entre a actual sociedade de consumo e um dos maiores clássicos de todos os tempos, de William Shakespeare. Já em 2005 foi um dos triunfadores do International Fringe Festival de Edimburg, dedicado às artes performativas, onde a crítica internacional lhe deu amplo destaque, por toda a Europa.
Ora, Barcelona e o Fringe de Edimburgo não são lugares menores na geografia da arte contemporânea. Barcelona é apenas, com Berlim, uma das cidades mais dinâmicas e criativas da actualidade. Onde a criação e respectivo escrutínio qualitativo assumem papeis preponderantes. O Fringe Festival transformou-se numa marca global nas artes performativas, com extensões a vários países e continentes, do Canadá à Austrália e ao Japão, entre outros. Neste festival de Edimburgo revelaram-se algumas das maiores estrelas da representação da actualidade como Huhg Grant, Kate Blanchet ou Gwynet Paltrow. A revelação de 2005 foi João Garcia Miguel. Em Portugal mereceu uma breve nota de rodapé na imprensa diária. E muita inveja entre os seus pares, como se pode verificar agora.
Como é que se explica que o currículo deste professor, ao fim de sete anos de trabalho, seja submetido a uma (pseudo) comissão técnico-científica? Quem é que explica isto aos alunos? Aos actuais, e já agora aos antigos alunos também. É que subsiste a sensação de que se está a deitar fora o bebé com a água do banho. É certo que o bebé é grande e às vezes incómodo. Não é de trato fácil nem se preocupa muito com o politicamente correcto. Custa-lhe pactuar com pequenas ou grandes falsidades e hipocrisias à sua volta e por vezes é traído pela sua franqueza directa, por ter a boca mais perto do coração do que da mente. É um artista com uma assombrosa capacidade de trabalho e um pedagogo que leva os seus alunos aos limites emocionais, numa descoberta pess oal e interior de potencialidades insuspeitas e essenciais ao ofício da arte.
Transmite aos seus alunos a atitude inconformista, indispensável a todos os que aprend em a manejar instrumentos que podem mudar o mundo. Não será essa, afinal, a grande missão do ensino superior? Mas espalha a intranquilidade entre os seus pares que desejam um mundo menos inquieto. As turmas de Teatro têm demonstrado bem que colheram os seus ensinamentos. Na internet é fácil constatar a indignação dos seus antigos estudantes. Os poderes da ESAD/IPL estão nervosos. Provavelmente não esperavam este movimento tão activo e tão genuíno. Provavelmente nem sabiam bem com quem se estavam a meter. E o nervosismo dá para tudo e potencia o disparate. Como é que se explica que a polícia tenha encerrado uma festa de estudantes como aconteceu nesta noite de quinta-feira?
Além da presença de muitos caloiros que estavam na sua primeira festa da escola, em ambiente de integração com os seus colegas mais velhos, estavam também presentes muitos antigos alunos.  O pessoal que aproveita estes momentos fest ivos para voltar à escola, voltar à cidade, e rever amigos, desfiar memórias, partilhar actividades e projectos do presente, descobrir com os colegas as expectativas e as utopias do futuro. Também nós nos sentimos diminuídos por esta atitude da polícia e pela atmosfera que paira sobre a escola, pelo que fizeram ao João Garcia Miguel.
A ESAD merece melhor. Mas a incógnita subsiste. Como será que vai “evoluir” o Curso de Teatro e a Licenciatura e Mestrado, da responsabilidade deste professor, agora despedido por um conjunto de “doutos conselheiros”, qual incunábulos ultrapassados pelo tempo, que não souberam colocar os interesses da escola e dos alunos acima das suas fraquezas de personalidade? Um curso que ocupa a 64ª posição por ordem de procura, entre uma oferta de mais de mil licenciaturas no universo do ensino superior. Para já, constata-se que a ESAD está mais pobre e é um lugar com menos liberdade de criação.

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Lino Romão

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