A Entidade Reguladora da Comunicação Social deliberou não dar provimento a uma queixa apresentada por Teresa Serrenho contra a Gazeta das Caldas devido a um artigo publicado na secção Zé Povinho.
Reproduzimos na íntegra a deliberação da referida entidade.
A Direcção
Deliberação ERC/2017/134
Assunto: Queixa de Maria Teresa Milhanas Serrenho contra o jornal Gazeta das Caldas, por artigo
publicado na secção «A Semana do Zé Povinho», em 16 de dezembro de 2016
I. Queixa
1. Deu entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), a 3 de janeiro de 2017, uma queixa apresentada por Maria Teresa Milhanas Serrenho contra o jornal Gazeta das Caldas, propriedade da Cooperativa Editorial Caldense, C.R.L., por conteúdos de artigo publicado na rubrica «A semana do Zé Povinho», na edição de 16 de dezembro de 2016.
2. Conforme exposto na queixa, na rubrica «A semana do Zé Povinho», que não é assinada, há uma avaliação da semana positiva ou negativa de uma personalidade, coletividade ou outra. No texto da edição em causa há um «emaranhado de divagações em que é citada inclusivamente uma figura pública nacional (Paulo Morais), que nada tem a ver com o assunto, reporta a situação de contas da Freguesia de Foz do Arelho (que está a ser objecto de uma auditoria) e cujo executivo foi eleito por um Grupo de Cidadãos, grupo este que o jornal atingir, numa prática já recorrente de certa perseguição a esta força política».
3. Segundo a Queixosa, «o grave da situação é que aparece um símbolo ilustrativo (na seta para baixo), que pertence à Associação MVC – Movimento Viver o Concelho». Ora, dado que uma associação não pode ser candidata a eleições, ou ter candidatos eleitos, a Queixosa sustenta que é lesada com a publicação daquele texto, pois denigre a sua imagem, numa atitude que considera abusiva e tendenciosa.
4. Com efeito, alega a Queixosa que o artigo põe em causa o funcionamento e a idoneidade da associação que dirige, pois «os nossos associados, muitos dos quais nada têm, ou tiveram, a ver com o Grupo de Cidadãos candidatos às últimas eleições autárquicas, se sentiram indignados com esta publicação».
II. Posição dos Denunciados
5. Tendo sido notificados o diretor do jornal Gazeta das Caldas e a sua entidade proprietária para, querendo, apresentarem oposição, veio o diretor do jornal pronunciar-se.
6. A Denunciada destaca, antes de mais, que o artigo em causa é um texto de opinião irónico, inserido na secção «A semana do Zé Povinho», publicada desde 2003.
7. Em seguida, contextualiza os factos que são mencionados no texto, indicando que foi sob a égide do MVC – Movimento Viver o Concelho que o atual executivo da Junta de Freguesia da Foz do Arelho foi eleito, incluindo o Presidente, e que o executivo está sob investigação por alegados problemas nas contas da Junta. A isto acresce a referência a uma situação considerada mal explicada sobre cheques da Junta de Freguesia que foram levantados sem se saber o destino do dinheiro e dúvidas sobre as contas da Associação para a Promoção do Turismo da Foz do Arelho.
8. Prossegue a Denunciada indicando que «o MVC tem-se destacado nas Caldas da Rainha por um discurso anticorrupção e de alegada moralidade que o situa acima dos partidos políticos» e, ainda, que «a presidente do MVC foi mandatária nacional do Dr. Paulo Morais à Presidência, que é bem conhecido pela sua luta contra a corrupção».
9. Ora, sustenta que «o texto do Zé Povinho levanta, pois, a questão de uma Junta eleita sob este movimento ter uma prática que é o oposto à que é defendida pelo mesmo. É dever do próprio jornal evidenciar estas questões ao nível local e regional» e que «omiti-las seria contrária à prática e ao estatuto editorial da Gazeta das Caldas».
10. Porém, alega a Denunciada que o «Zé Povinho até elogia o movimento MVC» pois «sugere, inclusivamente, que os seus elementos ajudem o seu eleito», tal como se pode retirar de excertos do texto. Neste sentido, salienta que não compreende de que maneira o texto pode ter denegrido a imagem do MVC. Ademais, entende que carece de fundamentação o facto de o texto ter posto em causa o funcionamento e a idoneidade da associação, dado que durante os 14 anos da secção praticamente todos os partidos foram alvo de opiniões negativas, sem que algum se queixasse de que tal perturbava o seu funcionamento.
11. Por outro lado, a Denunciada contesta a acusação de prática recorrente de perseguição a esta força política, pois em várias edições, nos textos da secção «Zé Povinho», o MVC e/ou os seus mais destacados responsáveis foram elogiados.
12. Conclui observando que nunca houve um direito de resposta, desde o início da secção, em 2003, relativo a textos publicados no «Zé Povinho» e que a Queixosa também não recorreu a esse meio.
III. Audiência de Conciliação
13. Nos termos e para os efeitos do artigo 57.° dos Estatutos da ERC, procedeu-se à marcação da audiência de conciliação. Tendo as partes comparecido à audiência, não lograram obter um acordo de conciliação, pelo que o processo seguiu os seus termos.
IV. Descrição da peça
14. “A Semana do Zé Povinho” é uma secção, como o nome indica, de regularidade semanal e identificada, quanto ao registo jornalístico, como «Opinião», no topo do texto e atribuída ao corpo redatorial do semanário, pela assinatura «Redação», naquele mesmo espaço.
15. A secção “A Semana do Zé Povinho” caracteriza dois acontecimentos da semana com uma tendência ascendente e outra descendente, pela colocação de setas com a direção correspondente, ao lado dos respetivos textos e ilustrações.
16. Na edição que motiva a queixa, o tema da tendência descendente é a gestão das contas da Junta de Freguesia da Foz do Arelho, através da seta a apontar para baixo, ao lado de um logótipo em que é legível «ASSOCIAÇÃO MVC Movimento Viver o Concelho» . A imagem consiste nas palavras justapostas; “ASSOCIAÇÃO”, em maiúsculas a encimar a sigla “MVC” a toda a largura, ambas apoiadas sobre a designação por extenso “Movimento Viver o Concelho”. A palavra “Associação” e a sigla “MVC” são em verde petróleo, sobre fundo branco e o nome por extenso inverte a combinação de cores ficando as letras em branco dentro de um retângulo verde petróleo.
17. O texto começa por afirmar que a demissão sucessiva dos tesoureiros da Junta de Freguesia «intriga [o] Zé Povinho pois, ao que parece, toda a gente sabia que algo não estava a correr bem» nas «contas da Foz do Arelho». No segundo parágrafo é dito que o lançamento de uma auditoria «tem demorado um tempo bem superior ao que era expectável», no entender desta secção do Gazeta das Caldas (segundo parágrafo).
18. De seguida, o jornal afirma existir uma contradição entre os princípios declarados pelo movimento de cidadãos independentes de partidos políticos eleitos para a Assembleia Municipal da Junta de Freguesia de Foz do Arelho e a sua prática já no exercício como membros daquele órgão. E que «[…] é divertido que o problema tenha recaído na freguesia onde foram eleitos candidatos de um movimento que se destacou pela bandeira, extrema e quase única, do combate à corrupção e aos negócios menos claros.» (terceiro parágrafo).
19. No quarto parágrafo é feita uma associação entre «o MVC – Movimento Viver o Concelho e os seus principais dirigentes» caracterizando-os como tendo «sido os mais dedicados e combativos militantes pela causa encabeçada pelo Dr. Paulo Morais, que não se tem cansado de lançar acusações sobre a política portuguesa considerando a corrupção como o maior dos seus males.»
20. Os quinto a oitavo (e último) parágrafos apresentam argumentos a favor e contra a eventual existência de irregularidades nas contas da Junta de Freguesia da Foz do Arelho.
21. Em concreto, o artigo expõe nestes parágrafos afirmações tendentes a validar a hipótese de desvios na contabilidade da Junta de Freguesia, ainda que contrabalançadas com dúvidas; «no caso da Foz do Arelho, só depois de concluída a auditoria, se poderá dizer se houve ou não corrupção. E, caso tenha havido, se esta era pequena ou grande. Provavelmente, estão em causa questões de desorganização, incompetência, desleixo, desmazelo, matérias em que os portugueses não se podem armar em santos» (quinto e início do sexto parágrafo). E acrescenta que «por isso, Zé Povinho acha que, mesmo que nada seja concluído de bastante grave, o MVC é responsável moral pela confusão que deixou estabelecer na Foz do Arelho e que não ajudou a atalhar» (fim do sétimo parágrafo). Finalmente, pela frase sobre as falhas na gestão financeira desse órgão do poder local: «o voluntarioso e ingénuo presidente da Junta da Foz ainda não compreendeu que não podia deixar as coisas correrem deste modo e deveria ter percebido o sinal que lhe foi dado pelos demissionários tesoureiros» (início do oitavo e último parágrafo).
22. Por outro lado, em frases ainda mais conclusivas e condenatórias, o “Zé Povinho” argumenta que «[…] se o próprio autarca da Foz do Arelho se confessa com falta de capacidade técnica e de conhecimentos, certamente que caberia aos seus apoiantes concelhios ajudarem-no a suprir essas insuficiências em vez de o “deixar andar”, continuando a fazer (erradamente) o que se fazia antes» (sexto parágrafo). E no sétimo parágrafo: «mais do que demonizar tudo e todos, deveriam pedagogicamente ajudar os seus, pondo em prática as regras que defendem para os outros.» A fechar o artigo: «[…] também os dirigentes concelhios do MVC não podem
lavar as mãos à espera do resultado da auditoria. Afinal é isso que eles criticam quando os problemas batem à porta dos outros partidos.» (últimas frases do último parágrafo).
V. Documentos subsequentes
23. Por mensagem de correio eletrónico, de 27 de março de 2017, foram remetidos à ERC pela Queixosa quatro documentos adicionais, mormente um documento com as declarações proferidas na audiência de conciliação e três imagens dos logótipos dos movimentos de cidadãos e políticos.
VI. Pressupostos processuais e normas relevantes
24. A ERC é competente para apreciar a presente queixa, nos termos das al. a) e d) do artigo 8.° e da al. a) do n.° 1 do artigo 24.° dos Estatutos da ERC (EstERC), aprovados pela Lei n.° 53/2005, de 8 de novembro. A queixa foi apresentada dentro do prazo previsto no artigo 55.° dos EstERC e as partes são legítimas.
25. Para a análise da queixa são sobretudo relevantes os artigos 36.° e 37.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o artigo 3.° da Lei de Imprensa, aprovada pela Lei n.° 2/99, de 13 de janeiro, com a última redação dada pela Lei n.° 78/2015, de 29 de julho.
VII. Análise e Fundamentação
26. Conforme resulta dos elementos descritos, o aspeto controvertido central do presente caso consiste na questão de saber se houve, ou não, uma lesão do bom nome da Queixosa pelos conteúdos constantes do artigo de opinião publicado, em 16 de dezembro de 2016, na rúbrica «A Semana do Zé Povinho».
27. No que respeita à natureza do texto, as apreciações sobre as eventuais falhas na gestão financeira da Junta de Freguesia da Foz do Arelho identificam-se no conteúdo e na forma com o registo opinativo do artigo.
28. Do ponto de vista do conteúdo, quanto às suspeitas lançadas sobre os responsáveis pela tesouraria daquele órgão da Foz do Arelho, são apresentadas, na globalidade do texto, num registo dubitativo, nomeadamente no início da apresentação dos argumentos já conhecidos e tendentes a uma conclusão favorável ou desfavorável à responsabilidade daqueles membros. O próprio tema do artigo de opinião é típico dos artigos de opinião sobre matérias suspeitas e interesse público, tal como é transcrito nos pontos 20 e 21 desta deliberação; nomeadamente quanto à denúncia de uma prática política em contradição com os princípios declarados por um movimento político e por um seu apoiado durante campanhas eleitorais, para as eleições autárquicas e presidenciais.
29. Na perspetiva da forma do artigo, o Gazeta das Caídas identifica explicitamente no topo do artigo a natureza das afirmações seguintes. A secção, identificada com a exposição de tendências da semana consideradas pelo jornal como sendo de orientação ascendente e descendente mostra-se ao público leitor como um espaço de comentário e avaliação.
30. Conclui-se portanto que o editor cumpriu a necessária separação da informação e da opinião deixando-as evidentes aos olhos do público.
31. Ora, quanto aos artigos de opinião, o Conselho Regulador salientou, em diversas ocasiões, que «não compete ao regulador dos media manifestar-se sobre o seu conteúdo, que deve ser interpretado à luz da liberdade de expressão e de opinião e cujas transgressões devem ser aferidas pelos tribunais, mas antes verificar se os órgãos de comunicação social aplicam as normas quanto à sua apresentação, enquadrando-os e acautelando a distinção clara entre factos e opinião» (Deliberação do Conselho Regulador n.° 162/2015, de 24 de agosto). Uma distinção que, como vimos em relação a este caso, é bastante explícita.
32. Neste contexto, é necessário notar que «(…) não está [aqui] em causa uma manifestação de cariz eminentemente informativo, mas antes um enunciado opinativo enquadrável no exercício típico da liberdade de expressão (cfr. art.° 37.°, n.° 1, 1.a parte da Constituição), e não adstrito, nessa medida, ao elenco de deveres ético-jurídicos caracteristicamente aplicáveis a conteúdos jornalísticos de pendor informativo. (…) Ora, as responsabilidades regulatórias do sector da comunicação social que impendem sobre a ERC enquadram-se, como regra, mais no campo do exercício da liberdade de informação do que no âmbito ou contexto do exercício da liberdade de expressão. Sendo este, aliás, o sentido do preceito contido na alínea a) do artigo 8.° dos Estatutos desta entidade, que lhe atribui a competência para “assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa”, afastando, assim, do seu leque de responsabilidades centrais o escrutínio das questões directamente decorrentes do exercício da “liberdade de expressão” e os seus limites.» (Deliberação do Conselho Regulador n.° 30/CONT-I/2011, de 27 Outubro de 2011).
33. Constatou-se, é verdade, que o logótipo de “VIVER O CONCELHO Movimento Independente CALDAS DA RAINHA”, o movimento que se apresentou às eleições autárquicas de 2013 naquele concelho, e que elegeu o membro da Assembleia Municipal da Vila de Foz do Arelho visado pelo texto, não é o publicado neste artigo na secção de avaliação positiva e negativa. Esta é, aliás, a alegação da Queixosa, que ressalta a questão de o Gazeta das Caldas ter utilizado «um símbolo ilustrativo […] que pertence à Associação MVC-Movimento Viver o Concelho» sem publicar o logótipo de “VIVER O CONCELHO Movimento Independente CALDAS DA RAINHA” e que tal resulta numa falta do jornal que prejudica a designação de ambos, associação e movimento político independente, e o seu reconhecimento público. Ainda mais dada a semelhança de nomes das duas organizações, havendo partilha de alguns membros, mas tendo naturezas e responsabilidades distintas sobre a gestão financeira da Junta de Freguesia, e quando estão em causa eventuais falhas nessa responsabilidade pública, ainda em apuramento.
34. Por outro lado, a relação estabelecida pelo artigo de opinião entre o movimento político e a associação representada pela Queixosa é explicada pela Denunciada e parece advir do entendimento de que há uma proximidade entre um e outra que, na opinião expressa no texto, deve ser estabelecida e criticada. Ora, podendo concordar-se ou discordar-se com o conteúdo da opinião expressa, esta advém de um juízo opinativo ao qual não se podem aplicar os critérios do rigor jornalístico tal como se de uma peça de cariz informativo se tratasse.
35. Assim, tratando-se de um texto de natureza opinativa e tendo o Gazeta das Caldas cumprido a separação entre informação e opinião, deixando-a clara aos olhos do público, aquele artigo não se encontra sujeito ao regime do rigor informativo previsto no artigo 3.° da Lei de Imprensa.
36. Dado que a livre formulação de opiniões é, em princípio, insindicável, conclui-se que não cabe a esta Entidade Reguladora, no âmbito das suas atribuições e competências, proceder à análise do texto de opinião.
VIII. Deliberação
Tendo analisado uma queixa apresentada por Maria Teresa Milhanas Serrenho contra o jornal Gazeta das Caldas, propriedade da Cooperativa Editorial Caldense, C.R.L., por artigo publicado na rúbrica «A Semana do Zé Povinho», em 16 de dezembro de 2016, o Conselho Regulador, no exercício das atribuições e competências de regulação constantes das alíneas d) e f) do artigo 7.°, da alínea d) do artigo 8.° e da alínea a) do n.° 3 do artigo 24.° dos Estatutos da ERC, aprovados em anexo à Lei n.° 53/2005, de 8 de novembro, delibera não dar provimento à queixa.
O Conselho Regulador da ERC
Carlos Magno
Alberto Arons de Carvalho
Luísa Roseira

































