Era uma vez um aeroporto

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Alberto Costa
advogado

No dia 1 de agosto de 1997 não estava de férias e faltavam ainda quase quatro meses para deixar o Ministério da Administração Interna. Isso ajuda a compreender a minha assinatura no Decreto nº 42/97, com as de Guterres, Vitorino e Cravinho, este último ao tempo ministro do Equipamento. Se por acaso tivesse sido Vitorino a estar de férias, era bem possível que a assinatura dele fosse substituída pela de António Costa, ao tempo seu secretário de Estado.
Nesse diploma se mencionavam os “diversos estudos que têm vindo a ser realizados no âmbito da concepção, localização e planeamento do novo aeroporto”, assegurando o governo ter “por objectivo uma solução optimizada, face às múltiplas vertentes de análise decorrentes de um empreendimento desta importância e complexidade”. Daí que, enquanto não se concluíam os estudos que permitissem ao Governo tomar decisões quanto à localização definitiva, eram desde logo adoptadas medidas preventivas nas áreas da Ota e do Rio Frio.
Dois anos depois, agora já também com a assinatura da actual comissária europeia Elisa Ferreira, então ministra do Ambiente, essas medidas foram prorrogadas, em relação à Ota, pelo Decreto 31-A/99, “na sequência da avaliação de impacte ambiental e verificada a viabilidade da localização do novo aeroporto em Ota”. Coroando esta evolução, a resolução do Conselho de Ministros de 27/4/2000 aprovaria o desenvolvimento dos processos relativos à construção do novo aeroporto na Ota e encarregaria o Ministério do Equipamento Social, em articulação com o Ministério das Finanças, de “promover de imediato as acções necessárias para concretizar os objectivos e orientações preconizadas, conducentes ao estabelecimento da parceria público-privada e à escolha de parceiros privados”.
Passaram anos sem que se tivesse avançado e, sem entrar em pormenores, salto para as eleições legislativas de 2005, onde me caberia encabeçar a lista socialista no círculo de Leiria. Um dos compromissos eleitorais assumidos de maior relevância para a região era a construção do aeroporto na Ota. E em 22 de novembro desse ano, o Governo (de que voltava a fazer parte) procedia à confirmação pública da localização na Ota, após ter considerado “um conjunto de estudos que fundamentavam exaustivamente quer a prioridade quer a localização seleccionada”. A data para a abertura do aeroporto: 2017.
Como o leitor sabe, as coisas não seguiram para esse lado (retiro daqui outras histórias, dignas de serem contadas) e através da resolução nº 13/2008, de 22 de janeiro, acabaria por ser aprovada “preliminarmente” a opção por Alcochete, entretanto surgida e promovida (e isto ainda e sempre “sem prejuízo das conclusões da avaliação ambiental estratégica e das consultas públicas e institucionais”). Homologava-se, desse modo, um parecer do LNEC com poucos dias de vida que – embora concluísse que «do ponto vista técnico-financeiro» essa opção seria “globalmente” mais favorável – salvaguardava, com correcção, o carácter eminentemente político da ponderação a fazer e da decisão a tomar.
Por lealdade para quem votara no pressuposto da localização da Ota, senti então o dever de me manifestar em sentido diverso – face, também, aos próprios termos do parecer do LNEC. Não o pude fazer na Assembleia da República, onde então não estava, mas fi-lo na própria reunião do Conselho de Ministros em que foi assumida a escolha de Alcochete (como na altura foi referido, nomeadamente na Gazeta e no “Público”). Os leitores lembram-se melhor dos passos e peripécias mais recentes e sabem o ponto em que, hoje, nos encontramos. Há poucas semanas, um professor do ISEG escrevia que a “privatização” da ANA no período a cargo de Passos Coelho (ou seja: a concessão a um grupo privado, aliás titular de 49,5% do capital da empresa com o monopólio das travessias rodoviárias na área de Lisboa, ao mesmo tempo que a ANA detém monopólio legal no caso dos aeroportos) ficará ligada, a um “custo” de, pelo menos, oito anos na modernização do nosso sistema aeroportuário – e bem mais do que isso do ângulo regional. Mas seria inadmissível sugerir, ao fim de sete anos de continuidade governativa, que ninguém responde, em plenitude política, pelo ponto em que ficamos, a este respeito.
Diz-se com frequência que se discute o novo aeroporto “há meio século” – ora para relativizar ora para realçar cada parcela mais de tempo consumido. Na resolução de 2005 (passaram 17 anos!) dizia-se já que opção “era tomada após quarenta anos de análise de localizações alternativas em que foram consideradas mais de uma quinzena de localizações possíveis”. À letra, já estaríamos, pois, mais perto dos sessenta. Mas num exercício “pós-político”, a minha consciência aceita bem ficar-se pelo período decorrido de há 25 anos para cá e dar por “prescrito” o período anterior. Um quarto de século já não é coisa pouca – e muito em especial tendo em conta o ponto em que, neste início de ano, nos encontramos. Julgo que, nesta data, ninguém poderá garantir nem “onde” nem “quando” haverá o novo aeroporto. Acreditando que haverá (um dia!), a simples data de nascimento fará aumentar cada vez mais o número dos que nunca virão a poder comprovar a data da abertura: já lá “foi” a de 2017. Sinto que o meu quinhão de responsabilidade nesta lamentável história é mínimo. Mas não posso ficar calado perante esta “fita do tempo” – e, pela minha parte, peço desculpa.

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