Para escrever um pouco sobre Óbidos não é preciso uma razão especial. Tema ou assunto nunca faltará. Do património histórico, o edificado onde a incontornável muralha assume uma imponência que faz a idade média vencida à cinco séculos estar ali sempre presente. Ao igualmente edificado e também religioso, tão abundante e nem por isso em fartura excessiva nestes tempos de procura turística. Ao património ambiental tão importante e exuberante, com a incontornável Lagoa de Óbidos tão bela, tão frágil, tão ameaçada. Aos atentados ambientais, que também os há por cá, ao sabor dos interesses do momento, da especulação imobiliária, dos modelos de desenvolvimento incompreensíveis para o comum dos mortais.
Mas hoje o que é importante escrever sobre Óbidos, é escrever sobre um novo evento. Outro evento? Chiça… Dirão os críticos mais retintos. É verdade, outro evento. Mas um evento que inventa outra Óbidos. Decorre ainda este fim-de-semana o Folio – Festival Internacional Literário de Óbidos. É a primeira edição de um evento que se deseja perpétuo. Tão perpétuo quanto a persistência das muralhas, tão eterno como a maravilhosa lagoa. Outro evento, sim: com muitos escritores, muitos músicos, muitos ilustradores, outros artistas plásticos, contadores de histórias, conferencistas, actores e mais actores e também cantores. Uma programação exuberante, uma coisa jamais vista. Nem nas grandes metrópoles do pequeno rectângulo, salvaguardadas as devidas distâncias, ou não. Nem nas grandes instituições da cultura em Portugal, que também as temos, de uma forma tão concentrada. Outra Óbidos que existe nestes dias, outra vila que se inventa no presente e aponta ao futuro.
E muito trabalho de uma equipa que que já provou muitas vezes do que é capaz. A equipa da Empresa Municipal a que me orgulho de pertencer. É também por nós, passe a imodéstia, que é possível fazer o que se faz em Óbidos. E não foi por acaso que a autarquia apostou há muitos anos numa equipa de organização, programação e produção de eventos profissionalizada e diferenciada. Não só temos muitas edições de Mercado Medieval, Óbidos Vila Natal ou Festival de Chocolate. Em mais sítio nenhum deste país se produziram espectáculos de Ópera como em Óbidos: com actores, cantores, coro e orquestra. Desfiles de moda com Augustus, Story Taylors e tantos, tantos outros, mais conhecidos ou menos conhecidos. Mas sempre tratados com o mesmo profissionalismo. Desta vez com alguns parceiros externos, mas sempre com aquela alma, aquela energia, que nunca deixa Óbidos ficar mal. Uma equipa que apetecia nomear aqui, do primeiro ao último, mas que o formato não permite sem se esgotar nos escassos caracteres permitidos.
Miucha Buarque de Holanda e Georgiana Moraes homenagearam Vinícius com as palavras do próprio poeta. António Zambujo trouxe as palavras de Caetano Veloso e convidou Mayra Andrade. José Eduardo Agualusa e Mia Couto deram uma aula magistral sobre literatura, a partir das suas experiências africanas, Ondjaki, Kalaf e Toty Sa’Med também lá estavam e disseram de sua justiça. Diogo Infante deu voz e corpo e suor e lágrimas às palavras universais de Álvaro de Campos. O Folio Educa encheu um fim-de-semana com um seminário essencial. E aulas sobre o modernismo, ou Agustina Bessa-Luís, ou António Lobo Antunes. A exposição de Viera da Silva que cá está desde o verão. E as apresentações de livros. Todos os dias, a toda a hora. Uuff! Uma canseira. E jornalistas, jornalistas, jornalistas. E ainda faltam tantos. Escritores, pensadores, poetas, apresentações, aulas, concertos. Tanto talento por metro quadrado, ou triangular, ou oblíquo, ou o que quiserem.
































