Eras a irmã da avó Julieta que não conheci, e a mamã a tua única sobrinha, até nós nascermos… (eu e o Pedro).
Não foste apenas uma tia… foste uma tia muito especial…
Fizeste parte da nossas vidas desde sempre e passaste a ser para os nossos amigos a “tia Sara”, numa época em que tratar por “tia” tinha um significado diferente e não era moda.
Tornaste-te uma mulher forte pelas vicissitudes da vida, a morte prematura do teu pai (que morreu também na véspera de Natal)e a necessidade de liderares uma família rural, que obtinha da terra o seu sustento…
E simultaneamente eras tão frágil, pelo teu carácter, pelos teus medos e temores tão enraizados pela vivência rural…
Os teus medos impediram-te de seres mais livre e, por isso, mais feliz, de tomares opções por temeres o futuro, a incerteza do amanhã…
Abdicaste da tua juventude, do casamento e de construíres a tua família, por amor à tua mãe…
Não a quiseste deixar sozinha, porque dependia de ti…
Eras tão bonita e tiveste tantos pretendentes… Tiveste uma única paixão…
Era aquele ou nenhum…. Foi nenhum…
Privámos muito e a partir da minha adolescência tornámo-nos mais íntimas …
Fizeste-me confidências que julguei impossíveis…
Nesses momentos, não éramos tia e sobrinha,
apenas duas raparigas solteiras a conversarem sobre o amor, a paixão …
Pelos meus aniversários começaste a oferecer-me o teu enxoval, feito por ti aos serões e momentos de lazer, numa época sem televisão…
O enxoval que não chegaste a estrear por tanto esperares pelo teu príncipe…
Lembro-me de uma vez que foste ter comigo e me entregaste uma carta…
A tua última proposta de casamento…
Um antigo pretendente que, agora viúvo, renovava o seu pedido…
Ficaste nervosa, admirada e algo rejuvenescida…
Hesitaste, pensaste e eu disse-te… “vai tia… vai ao seu encontro, arrepende-te de teres ido, mas não fiques na dúvida”…
Foste… e regressaste, nem triste nem contente…
Apenas satisfeita por teres tido a coragem de ir e em saber de uma pessoa passados vinte anos…
Esses vinte anos passaram por ambos os lados… disseste-me “está tão velho”…
Ri-me…
Dissiparam-se as tuas dúvidas e ponto final nesse assunto.
No meu aniversário seguinte ofereceste-me o resto do teu enxoval…
A tua ligação à família de sangue foi sempre muito forte…
Amaste-nos até à exaustão… Os teus pais, a tua irmã, a tua sobrinha Céu…
A todos nós, a segunda e terceira geração…
Eras generosa e amável, mas também triste e desiludida …
A morte do teu pai deixou-te fragilizada e doente…
A morte da tua irmã, tão nova, deixou-te sofrida e magoada com a vida…
A morte da tua mãe aos 92 anos libertou-te da tua obrigação…
Viajaste a conheces-te o mundo… O papá disse-te “Vai Sara… chegou a tua vez”…
Com o passar dos anos, ficaste mais alegre… mais feliz…
Os teus olhos tão azuis e expressivos (únicos na família) e o teu permanente sorriso traduziam paz e felicidade…
O teu amor a nós, teve retorno…
Sem marido e sem filhos não podias ter sido mais amada…
A mamã tomou conta de ti até poder… ou até eu deixar…
Sim, tia Sara, é verdade… eu sei que não quererias ter ido para um lar. Este era um dos teus maiores temores…
Evitei essa situação por respeito a ti e aos teus medos, mas a tua situação exigia um tratamento que a mãe já não te podia dar…
Mas só o fiz quando tive consciência que isso já não te ia incomodar, que irias ser bem tratada, que não irias sofrer com essa separação.
Fi-lo por amor à minha mãe, para proteger a sua saúde, ao mesmo tempo que te protegi a ti, porque tiveste melhores cuidados…
Obrigada pelos teus mimos e por me coçares as costas todas as noites…
Obrigada pelo carinho e amor que deste a todos nós.
A tua sobrinha-neta
Cristina Sousa
































