Está surpreendida por me ver aqui, não está?… Eu sei, ninguém está à espera que eu, o super-homem, tenha qualquer tipo de problemas…
Mas já pensou que a vida de um super-herói é uma vida muito solitária? Para além de ser uma trabalheira infinita… estão sempre a acontecer desgraças… e há sempre alguém para salvar…
Vou-lhe contar uma coisa, as pessoas às vezes irritam-me imenso. Eu sei que é estranho ouvir-me dizer isto. Afinal a minha missão é salvar pessoas… mas se sou sensível à aflição e ao medo, também sou à estupidez… e fico furioso com as parvoíces e as situações de risco em que as pessoas se colocam… e se eu não as puder acudir? Como é que fazem?
E depois quando não estou a salvar ninguém? Faço o quê? Sirvo para quê?
Não posso ir tomar um copo com ninguém, ficar à conversa… não posso ter vida social mesmo que tivesse tempo para isso.
Já para não falar da vida amorosa. Como pode imaginar devido aos meus super poderes, passo a vida a ser assediado e sei que desperto paixões várias. Que há quem se ponha em situação de risco para precisar de ser salvo e me tentar seduzir… Ora eu não me posso apaixonar… não posso amar ninguém em particular… só posso amar as pessoas como um todo… e este é um dos dilemas que me começou a inquietar… amar as pessoas como um todo, só como um todo, pode por ser uma forma de não amar ninguém… então deixa de haver lugar para o amor… mas nesse caso eu deixo de fazer sentido… Ou então vivo só da necessidade que os outros têm de ser salvos… mas isso não é amor, é dependência… Os outros precisam de mim para se salvarem e eu, preciso que os outros precisem de mim para poder continuar a ser e a ter um sentido… e a coisa repete-se sempre da mesma forma, sempre da mesma maneira… Percebe o dilema? Percebe a imensa solidão? É um jogo viciado à partida, que se repete infinitamente.
Depois temos ainda a kriptonite… Como sabe, é uma substância que me retira todos os superpoderes e me deixa completamente vulnerável e exposto… e eu não sei lidar com a vulnerabilidade… não aprendi, não fui treinado para isso. Sinto-me e fico completamente sem préstimo e sem direito à compaixão dos outros. Aliás nem sei se saberia lidar ou aceitar a compaixão dos outros. Sei que me sinto à mercê e que isso é insuportável.
Eu sei que poder ficar vulnerável me torna mais humano e me poderia ajudar a ficar mais próximo e empático com os outros. Que me faz ter medo e perceber o medo dos outros. Mas o medo que sinto da vulnerabilidade deixa-me bloqueado, desistente, enraivecido.
Tenho dificuldade em acreditar que alguém pudesse aceitar a minha fragilidade…sem destruir, sem abusar, sem aproveitar para dar cabo de mim… Afinal para que serve o super-homem se não for sempre super-homem?…
Porque é que estou aqui?
Nem sei bem… Talvez queira mudar e não sei se é possível mudar, se vale a pena arriscar mudar, se não vou ficar ainda mais sem sentido… E as pessoas andam cada vez mais ameaçadas, como se não tivessem poder nenhum, cada vez mais a chamar pelos super-heróis para as virem salvar…
Paula Carvalho
paulatcarvalho@gmail.com

































