O escrutínio eleitoral de 4 de Outubro veio repor o primado da Política, até aqui submetida à língua de pau do «economês» e às falaciosas verdades feitas e supostas inevitabilidades do pensamento único.
A campanha, por parte dos partidos do governo, decorreu sob o signo do medo, da chantagem e intimidação, procurando passar a ideia, propagandeada numa benévola e tendenciosa Comunicação Social, que, caso a coligação de direita não obtivesse a vitória, viria a bancarrota, o caos, quem sabe o dilúvio, a que se seguiu, nos dias de hoje, o espantalho da ameaça do «perigo vermelho», temível frentismo de esquerda, que se apossaria das economias, depósitos e investimentos das pessoas, por acaso algo que o BES já tinha executado antes…
Em altos brados, clamava-se pela maioria absoluta, imprescindível para conferir estabilidade governativa, a qual, de tão invocada, quase que era apresentada confundida como uma paz de cemitério, cenário fúnebre em que o Dr. Salazar fez de cangalheiro durante meio século.
Ainda antes de encerrarem as urnas, a maioria absoluta que logo se constatou foi, preocupantemente, a da abstenção, a que não é alheio o quase meio milhão de portugueses que emigraram, cujo voto, caso tivesse sido exercido, porventura teria acentuado a penalização da PàF. Seguiu-se uma outra maioria, de esquerda, também absoluta, e o assunto, de imediato, esmoreceu com o incómodo dos arautos e paladinos. Os números explicam-no bem:
As forças da Oposição crescem no seu conjunto, destacando-se a expressiva votação no Bloco de Esquerda, apesar da volatilidade do seu eleitorado. A CDU, resistindo ao apelo do voto útil, consolida a sua posição e sobe em votos, percentagem e eleitos, pela quarta eleição consecutiva, recolhendo nas Caldas o melhor resultado em duas décadas. O PSD/CDS sofre a maior derrocada alguma vez ocorrida em Democracia, traduzida na perda de 819 355 votos, o que gorou o bisar da famigerada maioria absoluta, sendo significativo que numa zona hegemónica como o distrito de Leiria tenham perdido 33 238 votos, 4232 deles só no concelho de Caldas da Rainha.
Nesta conjuntura, a Direita, que se sentia ungida por direito divino a governar, considerando que os seus 38,6% valem mais do que os 53,1% dos votantes (de 2ª classe?) que escolheram a Esquerda, apresenta-se nervosa, ao falar, em desespero de causa, de um golpe de Estado palaciano em marcha, quando sabe que apenas está confrontada com uma equacionação de soluções integrada num quadro constitucional que nunca respeitou. As ajudas chegam-lhe da ala direita do PS onde sobressaem as chocantes declarações de Carlos Silva, líder da UGT, defendendo a convergência com os que se destacaram pelos mais ferozes ataques aos trabalhadores e aos direitos do Trabalho e, sobretudo, de Cavaco, extravasando os seus poderes, desrespeitando o artigo 187 da Constituição ao indigitar Passos Coelho sem ouvir os partidos, atrevendo-se até em pretender definir as baias e os conteúdos dum programa governamental, que é matéria da estrita competência da Assembleia da República e confirmando deste modo ser um presidente de facção, cúmplice e conivente com os desígnios de um governo que aumentou a dívida em mais de 30 mil milhões de Euros.
Vivemos de facto um momento histórico em que talvez seja possível transpor para o plano político um programa mínimo de emergência capaz de inverter o descalabro.
À Direita, resta-lhe seguir o conselho do poema de Brecht: porque não demitir o Povo e eleger outro?
José Carlos Faria
jcffaria@gmail.com
































