Carlos Querido
Diretor Convidado
O triunfo da comunicação online acessível nos chatbots com tecnologia IA coincide com uma profunda crise da imprensa, associada à erosão da sua credibilidade, alimentada pelo apelo à desmediatização por parte dos movimentos populistas.
A desconfiança está instalada.
No seu estudo “Irrelevant and unloved: how the press lost its touch”, Rasmus Kleis Nielsen dá-nos conta de que metade do público teme que os meios de comunicação social estejam sujeitos a influências comerciais indevidas, acreditando, na mesma proporção, que os jornalistas manipulam os leitores e as audiências para servirem a agenda dos políticos.
Longe vai o mito de que nos fala Manuel Carvalho no excelente texto que publicamos nesta edição: «acreditava-se que a internet permitiria o nascimento de uma nova categoria de mediadores, os “jornalistas-cidadãos”».
Como refere o mesmo autor, «não se previa, no entanto, que a dinâmica das redes sociais alimentadas por algoritmos viesse potenciar «o discurso de ódio em detrimento da empatia com os outros, da emoção primitiva e irracional em desfavor da razão que determinava as regras da vida em comunidade».
Sem o filtro da mediatização, instalou-se o ambiente propício a partidos e movimentos sociais populistas que apostam na «mentira tolerada das redes sociais potenciada pelos algoritmos».
Certo é que a imprensa vai resvalando numa rampa descendente, da qual se avista o abismo, sem conseguir encontrar soluções que travem o seu declínio.
Conclui-se num estudo da Revista Prospect, de março de 2025 (David Caswell e Mary Fitzgerald), que «no Reino Unido, mais de 320 títulos locais fecharam entre 2009 e 2019, uma vez que a sua receita publicitária caiu 70% nessa década.».
Poderá a imprensa tradicional competir com a IA generativa?
O cenário é trágico.
Referem os autores citados que a X.AI, empresa irmã da X, utilizando o “assistente” Grok, produz avalanches de “informação” desde abril de 2024 com um serviço de notícias para subscritores – a “X Stories”- que lê continuamente cada novo post no X (quase 500 milhões por dia) para identificar histórias emergentes, criando em seguida uma narrativa escrita atualizada e um título para cada história.
Como alerta Rodrigo Tavares (Expresso, 31.07.2025), o que a IA, nos traz «já não é a notícia no sentido clássico, mas uma construção informacional sob medida, ajustada ao seu histórico de leitura, ao seu vocabulário, à sua tolerância ao dissenso.».
Em artigo do Público de 20.02.25, Pedro Esteves e Clara Barros Neto chegam à mesma conclusão: «Ao contrário de um jornal, que se apresenta igual para todos e tem por base o critério editorial de uma equipa, a inteligência artificial parece funcionar de uma forma aleatória, produzindo respostas distintas em momentos diferentes e para utilizadores diferentes.».
A oferta a cada leitor de uma “narrativa” adequada ao estatuto que lhe é atribuído pelo famigerado algoritmo, destrói a “comunidade de leitores” que se identificam com o jornal que oferece a todos as mesmas notícias.
E os jornais, para onde vão?
E o cheiro a tinta fresca que nos manchava as mãos e que fazia da leitura do jornal um ritual imperdível?
E o que será feito da memória da comunidade, que os jornais locais preservam como “arquivo vivo” em constante atualização, desempenhando um papel fundamental na promoção da identidade e da coesão social?
Com a crise instalou-se a angústia no jornalismo.
Anunciado o naufrágio, os jornais navegam à deriva, apostando na leitura online e na audição dos podcast, procurando novas formas de resistência.
A Gazeta das Caldas navegou Cem Anos, resistindo a todas as tempestades sociais e políticas como refere o Presidente da República no texto com que nos honrou nesta edição.
Urge procurar formas de continuar a navegar, contra os ventos e as marés da adversidade.
Pilares da vida cívica, fatores de agregação e de identificação comunitária, há que encontrar soluções para o resgate dos jornais locais, promovendo a reflexão e o debate sobre as ameaças que pairam no horizonte sombrio, e sobre o desolador e irremediável vazio que fica quando um jornal local desaparece.
A Gazeta das Caldas faz Cem Anos,
Viva a Gazeta das Caldas!


































