E porque não o Lusitânia Comboio Hotel a passar pelas Caldas da Rainha?

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Ao arrepio de uma corrente de pensamento que julgo mais saudosista que consistente, aplaudo, com entusiasmo, a ideia da CP de passar a fazer o Lusitânia Expresso, comboio-hotel, pela Beira Alta. Para ir de Lisboa a Madrid já existem dois poderosos vetores – a via aérea e a autoestrada contínua entre as duas cidades – vetores a que o caminho-de-ferro, com os meios disponíveis, nunca poderia fazer sombra: a ligação ferroviária, pelo ramal de Cáceres ou pela linha do Leste, seria sempre uma falsa e agonizante concorrência. Por muito que nos custe a ideia, todo o distrito de Portalegre tem menos habitantes que algumas freguesias da Grande Lisboa e não cabe ao caminho-de-ferro remediar essa situação.
Todavia, permito-me prosseguir o raciocínio: e porque não aproveitar o ensejo e o espírito de mudança e trazer o Lusitânia pela linha do Oeste até Alfarelos? Podem listar-se várias vantagens nesta variante mas não me parece curial estar a massacrar os leitores com uma enfadonha resenha quase técnica. Numa síntese rápida direi apenas que o arco de cidades ferroviárias do Oeste – Torres Vedras, Caldas da Rainha e Leiria – e as inúmeras preciosidades históricas e turísticas a elas adjacentes – Fátima, Monte Real, Batalha, Alcobaça, Aljubarrota, Nazaré, Mafra, Linhas de Torres e por aí adiante – parece apresentar um interesse muito maior para o turista estrangeiro que o troço interior Santarém – Entroncamento – Pombal. Por outro lado, o aumento de tempo de percurso entre Alfarelos e Lisboa (ficando o resto como atualmente) emerge não como inconveniente mas como fator positivo: a hora de saída de Lisboa só ganha antecipada, a hora de chegada só ganha retardada. É um bom exemplo que nem sempre andar mais depressa conduz à melhor solução.
Se a exportação é um das vias mais prometedoras para a reabilitação económica, se o turismo é a forma mais imediata de exportação e se a melhoria de acessibilidade é a maneira mais eficaz de dinamizar o turismo – então parece que esta proposta, aparentemente descabelada, tem interesse económico e pernas para andar.
*    *    *
Encontrei os meus primos jantando num restaurante da cidade e fiquei surpreendido:
– Por aqui? Julgava-vos em S. Martinho a veranear, como de costume.
– E é onde estamos, de facto. Mas resolvemos, de repente, passar o fim-de-semana a Madrid, comprámos o bilhete pela internet e viemos apanhar o Lusitânia-Hotel a Caldas da Rainha. É mais prático do que ir tomar o avião a Lisboa.
– O Lusitânia? Madrid? Aqui, em Caldas da Rainha? Estarei mesmo a ouvir bem?
– Está muito desatualizado, meu caro! É o Lusitânia, mesmo, o autêntico. Vai partir de Caldas às 22.45 e amanhã, pelas 9.10, hora espanhola, estarei desembarcando em Chamartin!
Olhou para o relógio e acrescentou:
– Temos de ir andando. Queres alguma coisa de Madrid?
Por acaso, queria. Queria que esta conversa imaginária fosse real e que o sonho dourado virasse realidade a curto prazo, como parece possível, se se conjugarem imaginação, empenho, boa vontade. Tive oportunidade de ver concretizada, em vida, a ligação direta Minho – Algarve, tantos anos desejada e que careceu, para se concretizar, de um investimento considerável na travessia ferroviária do Tejo em Lisboa, gostaria de ainda ver funcionar, julgo que com geral agrado, a ligação direta Oeste – Madrid que melhoraria, de forma muito significativa, a acessibilidade e a visibilidade da região e quase não carece de investimento – atributo importante nos tempos que correm.
E, se tal vier a acontecer, poderei concluir, contrariando Erich-Maria Remarque: finalmente a Oeste, algo de novo!

Eduardo Zúquete

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2 COMENTÁRIOS

  1. Pois é. Sonhos são sempre sonhos. Podia ser tudo o que sonhou se a CP nas últimas décadas não tivesse deixado ao abandono, com vistas ao seu encerramento, essa linha que deveria ser, como já foi, importante em toda a rede ferroviária nacional. E se ninguém fizer nada a Linha do Oeste irá mesmo encerrar. Uns, nos tempos de antigamente, souberam cobrir o país com o caminho de ferro e assim darem vida ao interior. Estes, especialmente nos últimos 20 anos só souberam fechar tudo e mais alguma coisa deixando o interior à sua sorte. A Linha do Oeste deveria ser reabilitada, diria até duplicada, para servir uma região importante e também para poder servir de alternativa à Linha do Norte quando a mesma estiver inoperacional por qualquer motivo fortuito e especialmente quando as barreiras de Santarém cairem e o país ferroviário ficar desligado. Mas ninguém quer saber destas coisas. Não temos sorte nenhuma. Mas se calhar também temos muitas culpas pelas escolhas que temos vindo a fazer…

  2. Caro Eduardo Zúquete,

    porque não iniciar um movimento de apoio a esta idéia através das petições na internet? A revitalização da linha do oeste é algo que faz sentido e não seria, na minha perspectiva, um mau investimento dos dinheiros públicos.