A construção da utopia em Óbidos
Escrevo esta crónica a partir da cidade de Galle, no antigo Ceilão (Sri Lanka), fundada por Portugueses no século XVI e no meio de um festival de literatura que juntou dezenas de escritores europeus e da Ásia. Nada mais perfeito para partilhar com os nossos leitores do que este contexto a propósito do tema que vos quero falar: A Vila Literária de Óbidos
Quando a globalização finge que nos aproxima, mais penso em fugir dela. Sempre acreditei nessa ideia de fuga como uma ignição perfeita para projectos originais e criativos. O início do projecto da Vila Literária em 2012 teve essa finalidade: abrir caminho a uma progressiva etapa de regeneração de um centro histórico cuja vitalidade estava mais do que provado após uma década de revitalização económica a partir de uma colecção de eventos, dos mais populares como o mercado medieval, aos mais eruditos como a ópera. Essa experimentação teve uma correspondência tão forte que a Vila se afirmou como um gigante mediático com uma capacidade de mobilizar estonteante. Quando em 2006 lançámos a maior livraria portuguesa dentro de uma igreja, chamámos a atenção para as novas configurações entre espaços e actividades e entre talentos locais e de fora. Quando na procura de um livreiro conheci o José Pinho na primavera de 2012, estava na verdade a juntar ideias e pessoas com utopias na cabeça, mas sem território definido. Ali estava Óbidos, não com a timidez com que Saramago a descrevia no final dos anos 80, mas agora mais segura de si e do seu valor, mas ainda assim disponível para que a convidassem para dançar.
O projecto obedeceu a três ângulos: primeiro, a ideia de construir uma rede física de livrarias, o que fez disparar de zero para 11 novas livrarias em menos de cinco anos, incluindo um hotel literário. A seguir, a construção de um modelo de afirmação para o exterior muito forte através da organização de um festival literário, o Fólio, que após três edições se revelou num evento de grande prestígio e com um potencial extraordinário. O terceiro ângulo surge mais tarde: a implementação de um modelo de governação específico. Amadurecido pela experiência, passados os encantos iniciais de um tema novo, a ideia parece manter-se como o melhor instrumento para manter Óbidos como um património vivo, cheio de passado mas de olhos postos no futuro.
Esse modelo passa por criar uma Sociedade Vila Literária (SVL) que funcione como uma plataforma colaborativa, quer com a autarquia, quer com a população, os seus empreendedores e as figuras da vida nacional cultural e empresarial que também têm que construir colectivamente esta utopia.
Na próxima semana, no dia 8 de Fevereiro, estaremos a eleger os órgãos sociais da SVL que tem funcionado até aqui com o domínio da Ler Devagar. Quis o seu Presidente, José Pinho, e o Presidente da autarquia, Eng. Humberto Marques, que pudesse ser alguém de Óbidos e convidaram-me para presidir à direcção. Aceitei, claro, pela amizade e admiração que tenho por estes dois homens que souberam conhecer-se e trabalhar em conjunto nos últimos quatro anos e a quem hoje podemos agradecer nunca terem duvidado um do outro. A sua confiança e lealdade mútua foram fundamentais para manter o sonho real até aqui e podermos abrir portas a um novo ciclo, que terá também no ressurgir da ATO, um instrumento precioso para a promoção externa do território alargado de Óbidos. A chancela da Unesco, de Óbidos cidade criativa da literatura, terá na Celeste Afonso uma operacional para executar uma estratégia muito bem delineada por Humberto Marques.

































