De Óbidos a Shehyni (Polónia). Por uma causa

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Segunda-feira, 7 de março de 2022, 16h30, Polónia

Dia 20 de Fevereiro, uma nova realidade de Guerra voltou a atingir a Europa. A guerra na Ucrânia havia começado naquela madrugada pelas 03h30 e logo na manhã seguinte, pelas 09h00 quando chegava ao edifício da Junta de Freguesia tinha à minha espera um cidadão ucraniano, residente em Gaeiras que, mesmo sem nunca o ter visto, se agarrou a mim e a soluçar pedia-me que o ajudasse a trazer para Portugal a sua filha e a sua neta que estavam sozinhas na Ucrânia, sem dinheiro e sem documentação. Tentei acalmá-lo e prometi-lhe que ia fazer o possível para ser parte da solução. Nos dias seguintes, foram algumas as chamadas de pessoas que pediam o nosso apoio. Algumas família apenas precisavam de saber o que fazer. Recorri a vários amigos, para me ajudarem nesta tarefa (Advogados, Tradutores, Agentes de Viagem) e esbocei uma minuta que enviámos para algumas famílias. A identificação das fronteiras, os locais onde comprar bilhetes, os horários, os tempos de espera, as escalas, os transbordos etc…

E com estas indicações, logo na primeira semana, conseguimos trazer para junto das suas famílias 6 pessoas. Mas continuei sem conseguir dar resposta aquele senhor, e a todos os outros cujas realidades e as condições socio-económicas eram mais desfavoráveis. Foi aí que partilhei esta minha preocupação com a autarquia e cuja mesma já se teria sentido pela minha colega presidente de Junta do Olho Marinho. Refletimos e “a frio” percebemos que só haveria uma solução. O estado estava a agravar-se!

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Na sexta feira dia 28, após articulação com os serviços municipais e com o alto comissariado para as migrações decidimos que no dia seguinte íamos arrancar para a Polónia e que íamos levar 3 carrinhas uma vez que estávamos autorizados a “resgatar” 17 pessoas. 11 Crianças e 6 Mulheres adultas. 10 com família em Gaeiras, 7 com família no Olho Marinho. Iniciaram-se os contactos. Precisávamos de Condutores, Tradutores, Psicólogos… Pessoas com sentido de comunidade que tivessem disponibilidade para ser parte da solução. O vereador com o pelouro das migrações, eu e a presidente de Junta do Olho Marinho confirmamos imediatamente. Fiz um contacto a uma amiga ucraniana e pedi-lhe que viesse. Por questões laborais não lhe era possível, mas indicou o seu irmão, que tendo sido camionista falava Português, Inglês, Polaco, Russo e Ucraniano. Eis que de imediato se prontificou a fazer as malas e a seguir conosco poucas horas depois. É o Illya. Depois, falei com dois grandes amigos meus. Daqueles que vão comigo sempre, nem que seja ao fim do mundo. O António e o Pedro. claro, a sua vertente humanista fez com que imendiatamente dissessem que sim. E por fim, a Silvana, uma colaboradora aventureira que acompanhou este processo desde a primeira hora.

Eis que chegou o dia. Os familiares e amigos fizeram as “marmitas”, os executivos mobilizaram-se. Foram às compras, prepararam agasalhos, mantas, fizeram o café, identificaram as carrinhas e precaveram-nos o RedBull. Nós fizemos as malas e de fato de treino confortável, gorro e um casaco metemos pés ao caminho. De última hora e a seu pedido, levámos o Maxim, um cidadão ucraniano com residência em Óbidos e que quer ir lutar pelo seu país. 100 horas de viagem e 8000 km estavam pela frente. E assim começamos. De GPS no tablier, com 2 condutores por carrinha, fomos revezando-nos. As primeiras 12h foram pacíficas e muito tranquilas, mas o cansaço começou a tomar conta de nós. De espírito alegre e com muita força de vontade fomos andando. Parámos apenas para ir ao WC ou beber um café quente. No entanto, A noite de hoje foi dura. Não aguentámos e tivemos de parar para dormir 3 horitas. Parámos num parque escuro e sombrio. Com algum receio pela insegurança que se fazia sentir. Mas estavam 5° negativos, tinha começado a nevar e os nossos olhos já estavam com muita dificuldade em se manter abertos. Ali ficámos. De madrugada, tomamos um duche quente (o primeiro e talvez único da viagem) e arrancamos para os últimos 600 kms que nos faltavam até à fronteira. Agora, neste momento em que escrevo, estamos a cerca de uma hora e meia e o peso da responsabilidade, a incerteza e a ansiedade começam a agudizar-se. As sucessivas mensagens de apoio e de conforto fazem-nos sentir que mais do que uma viagem, esta é uma representação de uma comunidade forte, generosa e responsável que sempre soube acolher e tratar bem aqueles que escolhem o nosso território na perspetiva um futuro melhor.

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