“As atenções e carinhos do rei para com Dona Leonor surgem, a cada passo, nos relatos dos cronistas. Em primeiro lugar, se o Príncipe, durante a jornada africana (mas só casado «por palavras»), se entregou a aventuras amorosas desculpáveis num moço vigoroso, com dezasseis anos apenas; se, mais tarde, cedeu aos encantos de Dona Ana de Mendoça e fez sofrer por isso dolorosos ciúmes à Princesa – foram meros e fugazes episódios, cujos vestígios se apagam depressa. O certo é que – nisto concordam os biógrafos – logo que sobe ao trono, passa também sob este apeto, a constituir exemplo impecável. […]
Sempre que receia pela vida de Dona Leonor, sente-se a sua angústia, reveladora, pelo menos, de profunda e viva amizade. Assim em Almeirim, quando a Rainha se encontra em perigo após um desmancho e D. João se mostra por isso «muito triste e mui enojado». Assim, depois, quando da sua grave doença em Setúbal, mal lhe chega a notícia, o Rei «pelo grande bem que lhe queria», embora também doente e quási sem meios de transporte, imediatamente se mete a caminho. Atinge Setúbal, sozinho, em plena noite. Pouca esperança parece haver para salvar a Rainha. E então – conta Rezende, testemunha presencial – «eu o vi chorar só muitas lágrimas com grandes soluços e suspiros, havendo-a já por morta…»
Outro caso sintomático é aquele passado em Alcochete, quando, certo dia, indo pela rua com Dona Leonor, um toiro tresmalhado lhes surgiu pela frente. O pânico apoderou-se da comitiva. Fogem todos e deixam-nos sós. Não pensa o Rei em seguir-lhes o trilho. Toma a Rainha pela mão, puxa da espada e coloca-se diante dela, para a cobrir com o seu corpo. Eloquente demonstração da facilidade com que, por ela, vai até arriscar a vida.
Mais de uma vez, aliás, D. João II dá público testemunho dos seus sentimentos para com a Rainha. Qual a divisa que escolhe como tema da vida inteira? A de D. Leonor.
Ouça-se Rui de Pina. – «El Rei, em sendo Príncipe, tomou por devisa, pela Princesa sua mulher, um pelicano, …. E com ela trouxe por letra correspondente a piedosa morte do Pelicano que dizia: «Por tua lei, e por tua grei.»
[…] Dir-se-á até que D. João quer deixar à posteridade uma legenda simbólica, a reforçar a sua união indissociável, acima de tudo, através de tudo, com a esposa que de Deus recebeu.”
Deixemos o Pelicano, a sós, com a sua dor…
Isabel Castanheira
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