Crónicas de Bem Fazer e de Mal Dizer – XIV

Uma Capa enganadora

Não se pense que resolvi agora dedicar-me à agricultura a crer na capa do livro que hoje trago à liça.

Este livro é o resultado da possibilidade de adquirir edições, chamadas “on demand”, que são fac-similes das edições originais. O original deste livro pertence à Universidade de Michigan nos Estados Unidos e foi impresso em La Vergne (USA), em 2010. O original remonta a 1781 e congratulemo-nos porque há instituições que conservam o que é antigo mesmo que os livros ou os objetos não se encontrem em boas condições, as preservam, porque eles constituem os pequenos azulejos que formam o grande painel da história.

Um livro sobre as Caldas da Rainha a cargo da Universidade de Michigan? É verdade, e por tal facto é possível que chegue até aos dias de hoje, para nosso conhecimento e usufruto. Só tenho pena de não possuir a 1.ª edição, mas não se pode ter tudo…

“Memórias dos Anos de 1775 a 1780 para a História à Análise e Virtudes das Águas Termais da Vila das Caldas da Rainha…” da autoria de Joaquim Inácio de Seixas Brandão, foi editado na Regia Oficina Tipográfica, com licença da Real Mesa Censória, no ano de MDCCLXXXI.

Seixas Brandão, doutor em medicina pela Universidade de Montpellier, por decreto de sua majestade ocupava o lugar de primeiro médico no Hospital Real da Vila das Caldas; dedicou o seu livro “à Fidelíssima Majestade da Augustíssima e Potentíssima Senhora D. Maria I, Ínclita, Pia, Feliz, Rainha de Portugal, e dos Algarves, &c. &c. &c.”

O conteúdo deste livro é de uma notória modernidade, pois não se limita a descrever os benefícios da utilização das águas termas, como faz o registo de todo o processo a que são sujeitos os pacientes, a saber: observação dos doentes, diagnóstico das doenças, descrição do tratamento e por fim a análise dos resultados terapêuticos.

Dedica um capítulo ao “Reumatismo Inveterado”, que li com a máxima atenção: é a Observação IV, que transcrevo:

“O Doutor Manuel Rebelo de Moraes da Província de Traz os Montes, assistente em Lisboa, de rosto claro, fibra rija, estatura mediana, de 54 anos de idade, havia 24 que padecia de insultos reumáticos, que se foram gradativamente aumentando até que ultimamente o acometeu com a maior violência; e fazendo em Lisboa os remédios ordinários àquela moléstia, minorando algum tanto o insulto, foi mandado aos banhos das Alcaçarias; no quinto banho prendeu-se totalmente das articulações; e vendo não só infrutífero, mas nocivo aquele auxílio, fugiu, como para a sagrada âncora, para o uso destas salutíferas águas, com que alcançando grandes melhoras ao terceiro banho, pois logo começou a andar pelo seu pé, teve a satisfação, com dezasseis que tomou, de restituir-se a sua casa na sua primeira saúde.”

Com uma saudação ao Dr. Seixas de Brandão e os desejos de melhoras a todos os reumáticos, por aqui fico.

Isabel Castanheira