Crónica do Québec (Canadá) – Os Índios

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Durante a adolescência em Portugal fomos um leitor compulsivo de livrinhos de banda desenhada, a que chamávamos indiscriminadamente «livros de cowboys», pelo facto da maior parte deles tratarem das lutas da colonização e conquista do Oeste Americano. Estas aventuras tiveram o condão de nos dar a conhecer alguns heróis reais como David Crockett, Daniel Boone, ou todos os elementos ligados ao famoso Regimento do 7º de Cavalaria, sobretudo o mais conhecido de entre eles, o famoso Buffalo Bill Cody. Hoje a história de todos estes heróis americanos é facilmente acessível na internet, mas na década de sessenta do século XX, a fronteira entre estes personagens e os que resultavam da enorme imaginação dos autores dos famosos livrinhos era diminuta ou simplesmente inexistente.
Outros autores dedicavam-se no entanto à colonização da Costa Leste do Continente, já quase totalmente dominada pelos europeus. É aqui que nos aparecem pela primeira vez as famosas reservas e já nessa altura a imagem que se passava para o leitor, era, a de serem locais onde os brancos maus fechavam os pobres peles-vermelhas, que aí viviam em condições sub-humanas, e onde abundavam o álcool e a corrupção.
A civilização europeia na sua expansão para os outros continentes e numa luta de sobrevivência teria obrigatoriamente de impôr o seu modus vivendi e no caso da colonização da América, nome derivado e resultante do navegador italiano do século XVI, Américo Vespúcio,   veio encontrar populações que povoavam estes territórios desde há cerca de 40 000 anos antes da chegada de Cristóvão Colombo que, vindas da Ásia atravessaram os mares gelados que separam o continente asiático do Alaska e se foram estabelecendo. Chamam-lhes peles-vermelhas, mas têm características fisiológicas dos povos asiáticos. Uma segunda vaga de imigração deu-se há apenas 3000 anos, quando povos da Sibéria atravessaram os gelos do Ártico, e se estabeleceram no Norte do Canadá onde ainda hoje vivem. São os conhecidos Esquimós, ou Inuits.
Calcula-se que no século XVI existiriam entre 7 a 8 milhões de habitantes no continente, divididos em pequenas tribos, ou nações, que se gladiavam entre si e onde o único factor que determinava o estatuto social de cada um, era função do número de cavalos que possuiam, pois não conheciam a noção da propriedade privada da terra.
Estes Índios, nome resultante do conhecido erro de Colombo que pensava ter descoberto a Índia, ou Peles-Vermelhas, ou Povos Nativos, que estiveram perto do extermínio, conhecem depois de 1970 um aumento da população e a recuperação de alguns dos seus valores ancestrais, recusam todos estes nomes que os brancos lhes deram e preferem continuar a ser conhecidos pelos nomes das respectivas nações ou tribos.
Quando nós em 1982 nos estabelecemos em Longueuil, cidade da margem Sul de Montreal, onde ainda hoje habitamos, o facto de uma das reservas mais importantes do Canadá se encontrar a cerca de 20 Kms da nossa casa, não influiu em nada na nossa escolha. Cremos mesmo que na altura desconhecíamos a sua existência. Até à famosa Crise de Oka em Julho de 1990 em que a nação Mohawk da reserva Kanesatake,  localizada a cerca de 50 quilómetros a Oeste de Montreal, na margem norte do Rio Otava  se juntou aos seus irmãos  Mohawks, da reserva de Kahnawake perto de nós , e mantiveram os habitantes da zona de Montreal reféns das suas reivindicações durante 78 dias, e às quais os governos federal e  províncial foram incapazes de responder de forma eficaz, receando os efeitos que  teria tido junto da opinião internacional, a tomada duma posição de força.  No final contou-se apenas a morte dum militar do exército canadiano contra nenhum guerreiro nativo.  Através do bloqueio duma das pontes de acesso a Montreal, os Mohawks conseguiram praticamente paralizar toda a actividade da grande Metrópole e ao mesmo tempo alertaram-nos a todos para a sua existência. O que descobrimos não é no entanto muito elogioso. São os únicos habitantes que, de uma forma legal estão isentos de taxas e impostos no continente norte americano, para eles sem fronteiras. Têm corpos de polícia próprios e apenas eles estão autorizados a habitar nas reservas.  Quisemos assim conhecer de facto os nossos vizinhos Índios.
De cada vez que recebemos a visita de amigos da Europa lá vamos até Kahnawake, numa curta viagem de alguns minutos pelas auto-estradas da margem Sul do rio São Lourenço, e onde redescobrimos e mostramos aos nossos visitantes uma pequena aldeia de cerca de 1500 habitantes, como que  surgida dum velho e empoeirado livro de cowboys, mas agora, com  vivendas de luxo ladeando as habitações ou tendas tradicionais, e o habitual Totem em local central dominando toda a povoação.  As inscrições de tráfego aparecem-nos em, para nós, desconhecidos caracteres semi-asiáticos da lingua nativa, e ainda em Inglês. A publicidade omnipresente apenas em francês e inglês, convida-nos a comprar álcool ou cigarros (os mais penalizados pelas taxas entre nós) completamente isentos das mesmas. Logicamente a sua maior actividade é o contrabando, ao qual não resistem muitas vezes os não nativos, sujeitando-se a penas pesadíssimas numa busca incessante do lucro ilícito, fácil e rápido.
Os nossos visitantes podem assim corrigir in loco, habituais situações de pseudo-conhecimento tão correntes nalguns meios, resultantes dum tipo de informação vinculada pelos media e tão do gosto de certos  intelectuais. Constatam  que os habitantes das reservas são hoje cidadãos de pleno direito do Canadá e dos EUA mas isentos de impostos. No extremo Norte do continente continuam a dedicar-se às actividades ancestrais da pesca e da caça, onde, pelo extremo isolamento e condições climatéricas a que estão sujeitos, o consumo de álcool e drogas continua a ser um dos grandes flagelos. Têm uma participação residual na actividade produtiva, que mesmo nessas zonas inóspitas  é desempenhada pelas populações brancas contra  generosos salários compensando o isolamento a que se sujeitam.

J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca

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