O título desta crónica é adaptado de uma cantiga, «O Carteiro», do Conjunto António Mafra, que, gravada nos anos 60, se tornou um dos maiores êxitos da música portuguesa. Aproveitando o balanço, previne-se desde já que excertos da letra servirão, aqui e ali, de comentário, surpreendentemente actual, ao que adiante se escreve.
Deve-se isto, obviamente, à situação de absoluta ineficácia que se constata no funcionamento dos CTT. Poderia ser apenas uma realidade local, confinada às Caldas da Rainha, mas não, ela verifica-se em todo o país.
Quem tem a necessidade (e a desdita) de ter que se deslocar a uma estação de correios, espera e amaldiçoa a sua sorte, até ser atendido. Pela primeira vez na sua história, os CTT, numa postura intolerável, deixaram de assegurar uma distribuição diária de correspondência, com as inevitáveis complicações que isto acarreta: cartas registadas que não chegam ao destino, confirmação de consultas hospitalares que deixam de se efectuar, pensionistas que não recebem o vale postal para levantar a reforma («O senhor Vale desespera pelo vale que nunca vem, vai sentido infelizmente como faz falta o vintém»). Por outro lado, verifica-se falta de carteiros, sendo eles confrontados com excesso de trabalho, horas extra não pagas e alargamento das áreas de distribuição, tendo sido eliminados 2853 postos de trabalho («O carteiro não tem culpa, é a sua profissão»).
Na nossa cidade, os CTT, desde 27 de Junho, passaram a operar num centro logístico, situado na Zona Industrial, ficando a estação de correios quase só com os trabalhadores de balcão.
Perante estes factos a empesa nada diz e muito menos se justifica.
Mas, no entanto, é sabido qual a origem do problema. Ele decorre da privatização ocorrida em finais de 2014. O estafado argumento de que as privatizações acontecem quando existe défice e prejuízos financeiros, neste caso não se aplica de todo. Enquanto empresa pública, os CTT davam lucro, de tal maneira que logo após a privatização foram distribuídos dividendos pelos acionistas, entre os quais constam o Deutsche Bank e o Goldman & Sachs, duas instituições financeiras de mais do que duvidosa reputação, presença esta que talvez esteja na base da pretensão de os CTT passarem a contar com um banco postal. Em 2015 os lucros mantiveram-se num nível elevado: 71,1 milhões de Euros. Todavia o sentido de serviço público foi abandonado, passando a imperar a lei da maximização de lucros e a minimização de custos, sacrificando pelo caminho a qualidade da resposta dada à Comunidade.
Sendo os CTT, hoje em dia, completamente privados, ao contrário do que se passa em Inglaterra com o Royal Mail e nos EUA com o U.S. Postal, configuram, portanto, um monopólio, o que viola, com toda a evidência, disposições constantes na Constituição. A ausência de regulação deixa a administração de mãos livres, permitindo-se até que, em 2014, a tarifa base de correio tenha aumentado 12%. Com os CTT na posse do Estado, o presidente ganhava 21, 8 vezes mais do que a média salarial dos trabalhadores. Agora passou a ganhar 45,3 vezes mais…
Porém, a tendência de testas-de-ferro, colocados em posições de topo, decidirem em favor de interesses obscuros, degradando a estabilidade económica e financeira de instituições, que era suposto gerirem em nome do bem público e abrindo assim caminho à apropriação, dita salvífica, por particulares, vem muito de trás: Entre 2002 e 2015 foram encerradas 481 estações e 1047 postos de correio. E, estamos recordados, de, em 2003, a Demagre ter comprado um edifício dos CTT, em Coimbra, por 14,8 milhões de € e de o ter revendido, no mesmo dia, por 20 milhões, à Espírito Santo Activos Financeiros.
Enfim, «para uns são alegrias, para outros tristezas são», sendo que quem chora somos nós.
































