Contra-resposta amigável sobre o Céu de Vidro e os Pavilhões

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As polémicas não têm que ser sempre ásperas e inamistosas. Podem muito bem ocorrer entre gente que se estima e respeita, dando azo a uma saudável troca de pontos de vista sobre um dado assunto. Creio ser o caso desta explanação de opiniões diferentes entre mim e o Rui Gonçalves, a propósito dos Pavilhões do Parque e do Céu de Vidro.
Assim sendo, passo pois a (contra)argumentar:
Um primeiro aspecto incontestável é o facto de nunca ter existido qualquer ligação orgânica entre os dois edifícios em causa, sendo certo que não se vislumbra qualquer razão efectiva para que passe a haver uma articulação entre imóveis que sempre funcionaram separada e independentemente. Repetindo isto de forma básica: uma coisa são os Pavilhões, e outra, distinta, o Céu de Vidro. E é aqui que se coloca a questão de uma incorporação, a meu ver excessiva e não tanto sobre a sua eventual condição legal ou ilegal, a qual, diga-se, eu nem sequer tinha suscitado. Mas já que se aludiu ao tema, importará então clarificá-lo: os Pavilhões, tal como o convento de S. Paulo em Elvas, foram objecto de um acordo entre as autarquias e o Turismo e num primeiro momento não constavam do programa Revive e só posteriormente o viriam a integrar. Se o Revive, tal como é apresentado, se destina a recuperar património, então as obras que decorram ao seu abrigo, terão que respeitar o que consta da Lei de Bases do Património Cultural. A respectiva consulta, de que citarei alguns pontos, é deveras interessante: começa por estabelecer que os bens que integram o património cultural reflectirão «valores de memória, antiguidade, autenticidade, raridade ou exemplaridade». Se é certo que os Pavilhões podem corresponder a todas estas características, detenho-me, a título exemplificativo, apenas num – pode o projecto pressentido garantir a «autenticidade»? Não me parece, sobretudo quando o artigo 6º visa «impedir a desfiguração» (o que acontecerá, porque, como já foi salientado, o edifício será esventrado, mantendo-se apenas as fachadas). A lei é minuciosa, invocando valores de coerência a ter em conta em termos de concepção arquitectónica, urbanística e paisagística, a memória colectiva e determina que «nenhumas intervenções relevantes, em especial alterações com incidência no volume, natureza, morfologia (…) podem alterar a especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou contemplação do bem». Diz mais: valoriza o «acesso e fruição» do espaço pela comunidade (como? Se o Céu de Vidro se tornará a entrada de um hotel de luxo e não termal?); exige «responsabilidade, garantindo prévia e sistemática ponderação das intervenções e dos actos susceptíveis de afectar a integridade (…) do património cultural». Como? Se a autarquia, ignora as recomendações dos estudos que encomendou e pagou, cujas conclusões apontam de forma bem vincada para a não construção de elementos de raiz (e serão dois, impedindo até o acesso ao parque a partir do largo da Copa). É por isso que o Revive não é passado, mas sim um presente que pode vir a condicionar o meio século futuro. Daí a vantagem de uma discussão pública na qual os cidadãos têm o direito a ser esclarecidos e a manifestarem frontalmente a sua opinião, e não este lamentável processo em que tudo se decide na sombra, sem que se perceba como e quando. A complacência instalada até permitia que o tal parque de estacionamento subterrâneo com 3 pisos pudesse ir para a frente, mesmo pondo em sério risco os aquíferos termais, e só a oposição firme a tal propósito permitiu que fosse abandonado.
E, mesmo na ausência do Plano de Pormenor do Centro Histórico, é o PDM – Plano Director Municipal que estabelece nomeadamente que «as áreas naturais são áreas em que a proteccção de determinados valores naturais (…) se sobrepõe a qualquer uso do solo. Nestas áreas são proibidas obras de construção e ampliação de edifícios, obras hidráulicas». Conviremos que o Parque dificilmente não poderá ser considerado como uma área natural.
Por fim, sublinhe-se uma vez mais que o Estado, eximindo-se às suas responsabilidades, não quis, premeditadamente, ter as condições financeiras para intervir, primeiro desorçamentando, depois abdicando, a favor de privados, da condição preferencial de captação de fundos comunitários, abrindo as portas à concessão dos Pavilhões. Já agora, não há nenhum governo PS/BE/PCP – há um governo minoritário do PS com apoio parlamentar negociado à sua esquerda.

José Carlos Faria

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