José Luiz de Almeida Silva
Diretor da Gazeta das Caldas
Aquela noite em que subi as escadas do Sindicato dos Caixeiros, na rua de Jardim, em 9 de novembro de 1974, para uma reunião pública e aberta convocada no jornal, dias depois de chegar do estrangeiro, marcou o resto da minha vida até hoje. Este momento coincidiu também com a aprovação final dos Estatutos da Cooperativa Editorial Caldense que assumiu a responsabilidade formal e jurídica deste jornal.
Até então havia colaborado na Gazeta com alguns textos amiúde e quase desconhecidamente, antes do 25 de abril por vezes com pseudónimo, e depois, com alguma frequência, em textos assinados. Dessa reunião sai integrado numa comissão de Direção com mais 4 pessoas, tendo já como diretor do jornal Adérito Amora, desde maio desse ano.
Nunca mais tive uma semana indiferente, a não ser quando estive durante dois meses retido da Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital da Universidade de Coimbra, depois de acidente sofrido na estrada de Alcobaça, quando ia entrevistar a Porto de Mós o industrial e deputado do PSD Silva Marques (militante antifascista antes do 25 de Abril e também refugiado em Paris, onde o conheci em 1973 e que fora Presidente da Câmara de Porto de Mós e Governador Civil de Leiria nos anos 70 pós 25 de abril pelo PSD), na campanha eleitoral de 1991.
Foram dois meses inenanarráveis, seguidos de um período de mais alguns meses em recuperação de uma situação de coma induzido e real, que me marcaram bastante. Coube a João Bonifácio Serra substituir-me na direção da Gazeta neste difícil período.
De 1975 e até hoje na titularidade deste jornal (sempre pro bono), com colaboração mais intensa ou menos de outros responsáveis no espaço editorial neste longo período, pude fazer, em paralelo, uma carreira profissional, académica e científica, nas Caldas e especialmente fora das Caldas, mesmo no estrangeiro, mantendo sempre uma ligação semanal ao projeto que hoje comemora o centenário.
Foram 2.773 edições das 5.611 que o jornal comemora hoje, em equipa ou mais individualmente, em que tinha a responsabilidade do jornal, dos quais 2726 na sua direção editorial, perfazendo 48,5% das edições da Gazeta desde a sua fundação.
Passou rápido este tempo longo, talvez demasiado longo, mas algumas das tentativas para a deixar, por razões profissionais e académicas, ou outras, se verificaram inviáveis ou difíceis de concretizar, tendo a situação permanecido, na última fase, com crescentes dificuldades idênticas às de toda a imprensa escrita nacional e mundial. O tempo estabelece regras e a coincidência com o centenário do jornal aconselha agora esta decisão.
É altura de agradecer a todos, responsáveis pela Cooperativa e pelo jornal, outros colaboradores incansáveis na área técnica e administrativa, e especialmente aos jornalistas profissionais com que se passou a contar – desde a década de 90 -, e, essencialmente, aos seus leitores, anunciantes e colaboradores que nunca deixaram de confiar no projeto.
Foram muitos os momentos passados, alguns de rara alegria e coincidência de vontades, outros naturalmente de viva polémica e dissensão com alguma parte deles, mas sempre respeitando as palavras sábias e justas da linha editorial resumida na afirmação: “Em termos jornalísticos respeitaremos os princípios deontológicos e de ética profissional, tanto dos jornalistas bem como o direito dos leitores a uma informação séria e objetiva.”
A que se acrescenta o parágrafo anterior deste estatuto em que se diz: “Julgamos que o jornal será o lídimo representante do querer local e da afirmação dos princípios da Democracia representativa e da Liberdade de pensamento e de ação, num espírito de partilha e de solidariedade que dê as mesmas oportunidades a todos, independentemente da sua origem.”
Não esquecendo também as palavras iniciais dos fundadores do jornal, agora comemorando os cem anos: “A Gazeta das Caldas, jornal regionalista que hoje inicia a sua publicação é, por assim dizer o porta-voz de todos os que amam esta região.”
“Livre, em absoluto, de toda a política de partidarismos, procurará servir os interesses da região, chamando a si todas as ideias, venham de onde vierem, que concorram para o seu progresso incessante.
Não nos movem inimizades, não nos sacodem vaidosos desejos de grandeza. Estamos convencidos de que, com a nossa presença preenchemos uma lacuna; e, assim, saudamos os habitantes das Caldas e sua região, com o desejo de trabalho fecundo e progresso contínuo.
Eis ao que vimos. Eis para que aqui estamos.
Que as desilusões nos não toquem a alma, e que nos encorajem os nossos ideais, todos aqueles que, desassombradamente, trabalhem para o bem comum.”
Outro farão um balanço desta verdadeira odisseia, alguns dos quais a partilham já nesta edição as suas opiniões e darão testemunho para sempre da “missão” desempenhada pelo jornal ao longo de mais de 5600 edições e de 5217 semanas, em cem anos.
Tenho imensa pena da situação difícil a que os jornais chegaram neste período – pós grandes transformações nas tecnologias e nos hábitos das pessoas -, que os levaram quase plenamente para o digital e à sociedade tecnológica pós moderna, em que o tempo pouco conta e as perceções cada vez mais dominam.
Passámos num século de um período da sociedade fortemente analfabeta funcionalmente, em que grande parte das pessoas não havia frequentado a escola, para um tempo que a sociedade vive do bit e da imagem repentina, mesmo virtual, em que cada vez mais a inteligência artificial tem um peso determinante.
Não será melhor nem pior em termos do tempo longo, uma vez que, como em cada momento, a sociedade se foi adaptando e pagando os custos, mas também beneficiando das inovações. Foi e sempre será assim, apesar de parecer que tudo se torna mais rápido na mudança e para pior. Mas a mudança é inevitável e às vezes má conselheira, mas em termos desse tempo longo, fará sempre parte da Civilização que pisamos no tempo em que vivemos.
Finalmente só posso desejar muitos mais anos ao projeto, seja nesta fórmula ou noutra que seja inventada de acordo com os novos desafios que se apresentam. De qualquer forma fica um imenso espólio e testemunho histórico que será indispensável para conhecer este longo período da vida concreta desta comunidade a quem agradeço reconhecidamente ter podido participar em boa parte dela.
Àqueles que me acompanharam neste longo período, e que deram o seu apoio mesmo criticamente, só tenho a deixar um reconhecido agradecimento. Foi um percurso duro mas ficou uma bela caminhada com que nos podemos orgulhar, mesmo de alguns momentos mais difíceis. A todos mais conhecidos e próximos, ou desconhecidos pessoalmente e mais distantes, mesmo aqueles que militantemente comigo discordaram, o meu obrigado.
Referir alguns nomes em especial, cometeria a injustiça de esquecer outros. Todos saberão a quem me dirijo e será mais justo assim, mas todos foram importantes neste projeto de vida e projeto jornalístico em que bastantes se reviram e ainda se reveem.


































