«Caldas é a única cidade do mundo com ar condicionado», diz um amigo meu. «Só é pena não se poder desligar», lamenta-se um outro. O tempo no oeste é um inesgotável tema de conversa. No verão os dias amanhecem envoltos em misteriosa neblina, gotas de orvalho, quase chuva, que saciam plantas sequiosas e nos protegem dos fogos que lavram pelas florestas longe do mar. Nesses dias olhamos o céu com uma prece, e a pergunta é sempre a mesma: «será que está bom na Foz?». Arriscamos até à desolação do imenso areal molhado. Para os caldenses, que cresceram entre neblinas e maresia, a esperança é a última a morrer: «lá para o meio-dia vai mudar». E às vezes muda. Oh, felicidade suprema! Só é pena a bandeira vermelha. Ainda assim é a melhor praia do mundo. Vicia-nos aquele iodo que nos fere as narinas com cheiros de algas e sal, aquelas ondas de espuma que arrastam areias e seixo e nos ferem os pés nus, aquele sol que se torna mais precioso quando se descobre uma nesga de céu azul, aquele mistério que se repete todas as manhãs: «será que vai abrir?».
A pedido de vários familiares – os miúdos que ainda não percebem a magia do verdadeiro oceano; as primas que querem sol o dia todo; a sogra, que tem sempre uma palavra a dizer – o caldense demanda as praias algarvias e acha-as anémicas, sem energia, com pequenas ondas a morrerem-lhe nos pés. Sente-se um desertor e telefona aos amigos: «tem estado bom na Foz». Se tem! É quando lhe voltamos as costas que aquela praia tem sol o dia todo… e bandeira verde. Meu Deus, que desperdício!
No Algarve a pele fica colorida, com um suave bronzeado de que todo o caldense avisado desconfia: «sai com o duche». Para fixar a cor vai à Foz no dia seguinte à chegada, expõe-se uma hora ao sol e apanha um escaldão. Isto sim, é mar!
Eis que um dia, daqueles que amanhecem quase a chover, ainda as nuvens pairavam sobre a cidade e já o sol brilhava na Foz, onde o nadador-salvador hasteou a bandeira verde. Que banhos inesquecíveis! É quanto basta para o caldense esquecer todas as bandeiras vermelhas, numa reconciliação sem reservas com a sua praia. No interminável inverno, húmido e frio, há uma memória que infinitamente nos aquece: aquele dia da bandeira verde na Foz.
Carlos Querido


































Adorei o texto…a praia da Foz do Arelho com o seu intenso cheiro a mar, a algas, a sal e o seu imenso areal e o atlântico a perder de vista, é a melhor que existem neste país e quem sabe no mundo!
Absolutamente correto! Eu que sou da Foz e casado com uma Algarvia, nao o poderia ter descrito melhor. Claro que so nos Caldenses e Fozeiros entendemos estas pequenas mas imensas satisfações.