Há quem diga que não é uma guerra! Enquanto conduzo, vindo do Hospital e de regresso a casa, penso: como não é uma guerra? Entro na garagem, dispo as roupas que trago e subo diretamente para o banho e penso: claro que é uma guerra…
Há gente, há homens e mulheres na frente de batalha, há trincheiras, há linhas de defesa, há zonas mais atacadas por este cruel inimigo.
Nas trincheiras, na primeira linha, ao alcance do fogo inimigo, estão os médicos, enfermeiros e auxiliares do Serviço de Urgência, estão os internistas da urgência e do internamento, estão os pneumologistas e os intensivistas. Numa segunda linha vêm os outros soldados, os médicos doutras especialidades, os profissionais doutros serviços…
Os da primeira linha dão o peito às balas e abrem fogo sempre que podem. Querem ganhar a guerra! Na verdade, todos querem, desde os soldados aos generais, passando pelos civis. Todos querem o fim da guerra. Mas ganhando-a!
Estamos todos em ambiente de guerra, atentos ao inimigo. Não deixamos as trincheiras, mais ou menos adiantadas, durante horas e horas. Enquanto não se dispara, limpam-se as armas (lêem-se circulares, despachos e normas orientadoras…). Às vezes, enquanto o inimigo não se mostra, há soldados que “puxam dum cigarro” para matar o tempo (quer dizer, leem um frívolo artigo de jornal ou partilham um post divertido). Mas mesmo sem tiros de metralhadora o ambiente não engana: nas trincheiras há roer de unhas, medo e desolação (as salas de espera das consultas e os corredores vazios).
E enquanto os soldados combatem, a população sofre. E muito! Ei-los que partem, deixando os campos desertos (as desmarcações de muitas e muitas consultas, as desmarcações de cirurgias…) E sofrem, passam fome (consultas, exames, cirurgias adiadas demais, mesmo não sendo urgentes…)
O inimigo é traiçoeiro! Ataca todos, militares e civis, quarteis e casas. Ataca a linha da frente, mas também pelas costas. Não se pode estar descansado!
Hoje, dia 19 de março, não disparei um tiro – o inimigo não atacou nesta zona. Mas também não trabalhei a terra (não fiz outras consultas, que estavam agendadas há muito…).
Os soldados por vezes saem das trincheiras e recolhem às casernas. Até despem a farda… (Volto para casa. Depois do banho, depois da mudança de roupa, da higienização do telemóvel, vem uma boa refeição…). É caso para nos sentirmos protegidos? Não, não há bunkers inexpugnáveis nesta guerra!…
(Mas, por favor, para evitar maiores riscos de propagação, fiquem em casa!)
António Curado

































