João Silva
professor
Após semanas em que a chuva teimou em marcar presença assídua, voltaram os dias luminosos em que, nas palavras dos Quatro e Meia, “Sabe-me tão bem sentar na esplanada a olhar o mundo sem passar em nada”. O ócio que nos convida a permanecer numa letargia consciente dá-nos alento para enfrentar as rotinas que se seguem.
Serve este interlúdio para falar de um episódio simples, mas revelador dos desafios a que vamos sendo expostos. Domingo à tarde, São Martinho do Porto, dia soalheiro que convida a um passeio relaxante pelos passadiços.
Confesso que sou fã desta moda que levou à construção deste tipo de estruturas por todo o país. É um sinal de desenvolvimento a prática de desporto e, neste campo, o nosso país tem feito progressos assinaláveis.
Mas voltemos ao essencial, à caminhada domingueira pelos passadiços de São Martinho do Porto. Quem pensa que estas caminhadas valem apenas pelo exercício físico que proporcionam desconhece toda a envolvência que em si encerra. Conversa descontraída em boa companhia, o vento na face que desperta os sentidos, o ondular do mar que inebria o olhar e envolve na sua permanente melodia.
A realidade zen estava criada, o Domingo ia ser perfeito. Ia, até ao momento em que um som, que não o do mar, se aproximou. Música latino-americana, sons do país irmão, que foi aumentando de intensidade. Surpreendido, desloquei o olhar e vi duas jovens que se aproximavam com uma coluna portátil a debitar música num volume estridente. Os decibéis que libertava eram proporcionais ao mal-estar que provocavam. No seu olhar não vi qualquer preocupação com o bem-estar daqueles com quem se cruzavam. Assumiram que é seu direito ouvir a música num espaço público com a intensidade que entenderem, mesmo que isso signifique incomodar quem está à sua volta. Esperei que se afastassem, não suporto aquelas batidas, mas o vento não foi amigo e trouxe consigo o som ainda durante alguns minutos. Este é apenas um exemplo, mas cada vez mais comum, daquilo que vamos assistindo na vivência em sociedade.
Urge insistir no cuidado em respeitar o outro. A minha liberdade termina onde começa a do próximo. Temos a obrigação de nos questionarmos sobre as nossas ações e, principalmente, do impacto que produzem naqueles que estão próximos de nós ou que apenas se cruzam connosco. Bom senso costumava chegar. Sei que é um conceito muito abstrato, demasiado lato para ajudar a regular estas situações e em vias de extinção.
Foi uma coluna a debitar música em altos berros, mas podia ter sido apenas uma chamada telefónica em alta voz. Ultrapassam-se limites, pelo que é urgente que cada um questione as suas ações, porque viver em sociedade significa respeitar o espaço do outro, nem que seja para poder ouvir o som do silêncio. ■

































