Carla Tomás
Jornalista
“O gosto pela profissão nasceu na Gazeta das Caldas, quando as máquinas de escrever começaram a dar lugar aos computadores”. Esta frase acompanha a minha identificação na mini biografia com que assino enquanto jornalista no Expresso, onde trabalho há três décadas, e faz jus ao início de uma paixão que nasceu na agora centenária Gazeta. Foi neste jornal regional que dei os primeiros passos, num ambiente de liberdade e cultura, com boa camaradagem e em busca de histórias para contar. Foi também aqui que comecei a compreender a força do jornalismo enquanto um dos quatro pilares da democracia.
Recordo a sensação de sentir a palavra escrita como contrabalanço ao caciquismo local. Uma descoberta que me fez sentir útil e feliz.
A minha primeira reportagem, nunca esquecida, foi sobre um circo decadente que passou uma semana em Caldas. Tinha 19 anos. O liceu ficara para trás e a vida ativa chamava-me.
Nesse mesmo verão tinha trabalhado como animadora cultural no Hospital Termal e participado nos ensaios e digressões de uma peça do Teatro da Rainha (“Arlequim Polido pelo Amor”). Duas experiências que me ensinaram mais do que imaginava. Não entrei na Universidade nesse ano, mas a Gazeta compensou com a melhor aprendizagem possível.
Cresci com cada reportagem, com cada encontro, com cada texto escrito.
Hoje, ao folhear o meu arquivo de artigos publicados na Gazeta entre 1989 e 1995 — um tesouro de papel já amarelecido pelo tempo, mas resistente às traças — sorrio ao revisitar personagens e histórias que marcaram o meu percurso e formação. Entre elas está a conversa com o ativista revolucionário Custódio Maldonado Freitas, que partilhou memórias da luta antifascista antes e durante o Estado Novo, passando pelas revoltas estudantis e pela prisão em Caxias. Recordo as suas palavras firmes: “Valeu a pena. Não podemos esquecer a repressão e a violência a que o povo foi submetido.” Palavras que devem ecoar como avisos nos dias que correm.
Releio também a reportagem feita a partir das conversas com o médico João Vieira Pereira, um dos últimos “João Semana”, que narrava as suas odisseias a pé, a cavalo ou de carro, para acudir a doentes em aldeias recônditas. E encontro ainda a história do barbeiro Eduardo Oliveira, que começara o ofício aos 10 anos de idade e já passara dos 60. Mantinha uma das quatro barbearias então da cidade, instalada num quarto da própria casa, com a janela aberta para a rua. Dizia-me que já só cortava cabelo e que passara a “embirrar” com “fazer barbas”.
Escrevi também sobre a renovação do Museu José Malhoa pelo então jovem diretor Paulo Henriques, com quem muito aprendi sobre este museu e os pintores e escultores ali expostos; e sobre o nascimento do Arquivo Histórico Caldense, um projeto liderado por João Bonifácio Serra, que mobilizou uma equipa jovem para salvar centenas de documentos cobertos de pó, roídos por ratos e escondidos num sótão da Câmara.
Acompanhei o Simpósio da Pedra, dando voz a escultores que “arrancavam nova forma à natureza morta de um bloco de mármore ou granito”. E registrei a montra generosa da natureza que era e é o Parque D. Carlos I, mas onde ainda agonizam os pavilhões projetados por Rodrigo Berquó no século XIX. Entrevistei artistas, escritores, políticos e empresários e registei a despedida da Escola de Ballet da Casa da Cultura, onde eu própria tinha dançado dos 6 aos 18 anos. O encerramento, fruto de guerras político-partidárias, pôs fim ao sonho de muitas crianças e jovens da cidade como bailarinas/os naquele espaço histórico.
Quando finalmente entrei na Universidade, em 1990, continuei a escrever para a Gazeta nos fins-de-semana e férias durante os quatro anos do curso. A Gazeta foi a minha primeira escola de jornalismo e estou grata a todos os que me abriram essa porta, em particular ao então diretor José Luiz Almeida Silva.
Parabéns Gazeta. E que venham mais 100 anos!

































