“Memórias de uma campanha autárquica”

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Ricardo Felner
Jornalista e Critico Gastronómico

A minha primeira reportagem foi publicada na Gazeta das Caldas, há 28 anos, estava eu a acabar a faculdade. Aconteceu em plena campanha para as autárquicas e o desafio fora-me feito pelo Pedro Bernardo, artista, fotojornalista, homem de múltiplos ofícios da terra. A ideia era acompanharmos os principais candidatos à câmara das Caldas, no terreno.

Olhando agora para esses textos — que o José Luís Almeida simpaticamente fez chegar —, descontando a escrita imberbe, o que importa aqui reter é o que eles significam, enquanto documentos jornalísticos de um tempo, enquanto testemunho de quatro figuras — Fernando Costa, candidato do PSD, reinava, claro! —, de quatro responsáveis políticos.
Relendo esses artigos, entendemos melhor a engenharia da caça ao voto. Percebia-se muito facilmente como é que as estruturas partidárias funcionam, como é que o partido no poder capturava votos, negociava acordos de mercearia com pequenos opinion makers locais, namorava os eleitores, um a um, aldeia a aldeia, croquete a croquete, comício a comício.

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Na altura, o jornalismo pareceu-me só esse exercício de estar perto de quem é governado e de quem nos governa, de quem gere os dinheiros públicos, de quem habita a pólis. E retratar. Dizer como foi. Dar voz a quem tinha o microfone, mas também a quem estava na plateia.

Hoje, o jornalismo parece-me tudo menos simples, mas continua a depender de duas coisas: de pessoas que o façam de forma livre, sem amarras nem patrocínios perigosos; e de profissionais treinados para descrever, interpretar, contar.

É no fundo isso que deve ser o jornalismo, mas para que isso aconteça temos de permitir que ele sobreviva.

Nestes 100 anos de Gazeta das Caldas, quero sublinhar o seguinte. A cidade teria sido menos eficiente, justa, equilibrada, interessante, sem alguém que andasse a retratar a sua vida pública e política, como fizeram vários jornalista que passaram pela redacção do jornal ao longo deste século.

É um trabalho recompensador, mas certamente duro. Ser um jornalista livre num meio pequeno implica dissabores, encontros imediatos desagradáveis, pressões muitas vezes difíceis de gerir — quer no departamento editorial, quer no departamento comercial e financeiro.

A tudo isso, a Gazeta das Caldas sobreviveu. Saibamos celebrá-la.

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