“Esta história tem de ser contada”

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David Pontes
Diretor do jornal Público

Em Maio, o jornal local South London Press (SLP) pôs um ponto final na sua história no ano em que fez 160 anos. Há 25 anos, vendia mais de 60 mil exemplares das suas duas edições semanais e era um dos melhores jornais locais de Inglaterra, cobrindo a vida de uma grande área da capital londrina. Como para os mais de 300 títulos de imprensa local de Inglaterra que desde 2005 fecharam portas, a vida foi ficando mais difícil para o SLP. O jornal tentou ampliar a área de cobertura, foi passando de mão em grupos de media e, no final, sobrevivia com as notícias fornecidas pelos repórteres locais da BBC e a aposta no acompanhamento dos clubes de futebol local.

É mais um episódio da história amarga em que os jornais são notícia de uma crise sem remédio à vista. O SLP, como tantos outros, enfrentou o desafio da Internet, a perda de audiências, a substituição do jornalismo pelo post na rede social e, muito provavelmente, o deslassar dos laços da comunidade, que são a razão do serviço da imprensa local.

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Apesar do desafio lançado, ao convidarem-me para escrever nos 100 anos da Gazeta das Caldas, não tenho qualquer conselho para dar sobre como superar a crise da imprensa local que não tenha de dar a mim próprio enquanto director de um jornal nacional. Ter uma equipa de jornalistas entusiasmados por contar o que vêem pelo mundo, sabermos questionar o que vemos, procurando empregar os melhores meios para se ser relevante para os nossos leitores. São os princípios pelos quais vale a pena ser um jornal. Se a crise nos tirar isso, o caminho deixará de fazer sentido.

Se isso não é fácil fazer por 35 anos, imaginem pelos 100 que leva a Gazeta das Caldas. E o problema da história amarga é que nos últimos anos se tornou muito mais difícil fazer. A Internet alterou tudo, e se nos deu meios inimagináveis no passado de contar histórias e de nos ligar aos leitores, o facto é que também retirou os meios para que as redacções consigam ser sustentáveis. Os jornais, muitos jornais, tentaram e tentam com as suas forças e com engenho reinventar-se, mas as forças a que se opõem são imensas.

O jornalismo, na sua expressão nacional ou local, mantém inalterável o valor que tem para uma sociedade democrática. Não existe melhor meio, com as regras deontológicas e a procura do serviço público, para ajudar a encontrar as melhores forças para fazer comunidade, para ajudar o mundo a resolver-se. Mas a verdade é que não fomos capazes, até agora, de fazer uma sociedade melhor, que defenda o que deve ser o coração palpitante da conversa em sociedade.

Nos seus 100 anos, a Gazeta das Caldas continua a ser a história que merece ser contada, porque tem histórias que têm de ser contadas. Que o possa fazer durante muitos mais anos.

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