Carpir pelas Caldas. Ou o velho enigma do ovo (?) Setembro de 1896.

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Notícias das caldas«Senhor! Tendes na mão as Caldas.
É um novo ovo de Colombo. É preciso pô-lo em pé, mas sem lhe quebrar a casca.»

É esta a legenda que acompanha a figura elegante do Dr. José Filipe que, com ambas as mãos, com todo o cuidado, pega num grande ovo que configura as Caldas da Rainha.

E a mensagem prossegue: «É verdade que a casca é dura, mas o que está lá dentro talvez não seja mau e, quem sabe, se chocado com carinho, daria alguma coisa?»

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O Dr. José Filipe de Andrade Pimentel, recém nomeado director do Hospital, por morte de Rodrigo Berquó, herda uma situação sensível que, sem surpresa, é motivada por gastos excessivos, destinados a faraónicos projectos.

Caldas da Rainha é comparada a um ovo de Colombo, de que é preciso cuidar, independentemente da existência de qualquer galinha. Um ovo que permanece um enigma: não se sabe o que terá dentro…

Mas a história não acaba aqui. Umas páginas adiante, datadas de Outubro do mesmo ano, encontramos o referido médico, em conversa com alguns dos mais insignes caldenses, apoiado no mesmo grande ovo, no qual se pode ler: «Hospital Real – Parque – Clube».

O ovo permanece um mistério sem solução, enquanto a vida lá vai cumprindo o seu ciclo habitual.

Maio, Junho e Julho, são meses de eleição: as termas fervilham de aquistas, alguns mais doentes que outros, mas todos determinados a usufruir das águas curativas, do bom clima, dos passeios pela mata, dos encontros sob os plátanos do parque. Mas chegam ao fim…

Falar de Agosto, é lembrar a alegria da rapaziada, o mês de toiros, de turcas e turcos, a pândega, tempos de arromba!
Segue-se Setembro e os veraneantes, quer curados quer ainda padecendo de qualquer mal de estômago ou da gota, debandam para outras paragens, de regresso à vida monótona dos afazeres do dia a dia.
Pouco ficou da animação de outrora, a não ser o pianista do clube, Pavão de nome e de feitio, a quem nada mais resta senão tocar no roufenho piano, umas cançõezinhas sem graça. Uma sensaboria completa…
Preocupados com tal estado de coisas – pois a vila sem o frenesim do Hospital quase não existe limitando-se a vegetar enquanto espera que o Inverno passe –, o Dr. Andrade Rebelo e as mais insignes personalidades caldenses, rolam o ovo de um lado para o outro, procurando-lhe a posição ideal para solucionar o problema.
Surge então em cena Rafael Bordalo Pinheiro, na companhia do jornalista, político e ceramista Francisco Gomes de Avelar, que traz debaixo do braço uns quantos exemplares do seu jornal «Cavaco das Caldas». Rafael ajoelha-se perante o Director do Hospital.
Que estranho! Rafael Bordalo Pinheiro, o tão criativo ceramista, o tão temido caricaturista, o homem do crayon implacável, de joelhos e mãos erguidas implora ao médico: – «e nós de joelhos imploramos que se pense de uma vez por todas endireitar as Caldas, fazendo agosto todos os meses».
Mas logo muda de posição e humilhando-se perante o director do Hospital e as mais insignes personalidades caldenses, senta-se no chão, começa a chorar e barafusta: – «teremos que adoptar definitivamente o ofício de carpideiro? Choramos e protestamos! E estamos nisto».
Desde esse tempo, e a julgar pelo que se passa hoje na cidade, o ovo continua sem que lhe encontrem o equilíbrio; as Caldas não são Agosto todos os meses, e bem podemos continuar a carpir, implorando pelas Caldas, pelo Hospital e pelo Parque…

Mudando as personagens desta página d’ «O António Maria» de 8 de Outubro de 1896, enquadrando-as na actualidade, a realidade ali parodiada mantém uma preocupante semelhança com o que se passa nos dias de hoje…

Isabel Castanheira

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