ELOGIO DA IMPERFEIÇÃO / As pessoas são como os bancos…

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Noticias das Caldas
| D.R.

Era um dia especial.
Fazia um ano que a sua pequena empresa começara a funcionar.
As coisas estavam a correr bem apesar de todas as dificuldades. Ainda acordava às vezes de noite com uma sensação de medo no estômago… medo de ter voltado a arriscar num novo projecto… medo de voltar a ficar sem dinheiro e sem segurança económica… medo de voltar a deixar-se abusar e manipular por outros em quem confiara… Enfim, as angústias de estar viva.
Mas hoje era dia de festejar. Tinha marcado o jantar num sítio especial e convidado o namorado e o amigo que era também seu colaborador na empresa. Ia ser um misto de celebração com jantar de trabalho. Tinha conhecido o agora seu namorado numa situação profissional e havia a hipótese de poderem vir a trabalhar em parceria… A ideia de misturar amor com trabalho não lhe agradava mas… havia que ponderar…

Já tinham feito o pedido e estavam nas entradas acompanhadas de um bom vinho. A conversa saía fácil e divertida. Comentou a irritação sentida numa ida ao banco em que mais uma vez se apercebeu que no que respeita a benesses e descontos, paradoxalmente quanto mais as pessoas têm dinheiro, mais facilidades e “mais barato” fica o dinheiro… quem precisa mesmo, tem que pagar tudo mais caro e é tratada até com alguma sobranceria… funcionam como uma espécie de predadores sociais legitimados pela lógica financeira…
Entretanto entra no restaurante um jovem casal com dois filhos pequenos. Captou-lhes no olhar a convicção de sucesso, de orgulho e de alguma arrogância… Era um casal alfa, por assim dizer… De repente o amigo interrompe a conversa para dizer que conhece o homem do casal… que estava cheio de dinheiro e de influência… o namorado agita-se também… que já tinha ouvido falar nele… que seria bom conhecê-lo… O amigo levanta-se e dirige-se à outra mesa… passado um pouco chama o seu namorado, que se levanta num ápice…
Ela, de costas e sem se querer voltar, vê-se subitamente sozinha na mesa, a olhar para a comida e para o vinho e a sentir a angústia e a raiva a invadirem-na… Pelo som das vozes percebe que um deles conversa informalmente sobre modelos de telemóveis e de novos brinquedos informáticos. O outro está aparentemente empenhadíssimo em criar uma boa relação com as crianças e respectiva mãe, mostrando jogos e aplicações de jogos infantis no smartphone… Ela, parece ter deixado de existir… tem vontade de se levantar e sair… mas hesita e tenta perceber o que está a sentir… não quer armar uma zanga, muito menos ali… muito menos logo naquele dia… que era para ser especial…
O empregado vem avisar que os pratos estão prontos e se pode servir… a conversa nas suas costas continua animada… o empregado capta as lágrimas que lutam para não sair e gentilmente diz que vai avisar os senhores… Esta gentileza tem o condão de a fazer sorrir e reagir… endireita-se na cadeira, bebe um gole de vinho e decide que não vai dizer nada. Afinal o jantar tinha sido muito útil em termos de resoluções. Não, não vai fazer parceria nenhuma com o actual, previsivelmente futuro ex namorado. Não, não vai dar parte da sociedade ao amigo/colaborador… Percebe finalmente que as suas vísceras já a tinham avisado… Lembra-se da conversa que estavam a ter e sorri… as pessoas, aquelas pessoas, são como os Bancos…

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Paula Carvalho
paulatcarvalho@gmail.com

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