No ano de 1978, quando comecei a colaborar no «Diário Popular», não imaginava como tudo isto é efémero. Os jornais são como as pessoas; também morrem. De repente lembro-me de alguns onde colaborei desde 1978 e que deixaram de se publicar: «Diário Popular», «Diário de Lisboa», «Gazeta dos Desportos», «A Capital», «República». Mas se recuarmos 70 anos até 1941 vemos nove jornais diários que não resistiram: «Jornal do Comércio», «O Comércio do Porto», «O Primeiro de Janeiro», «O SÉCULO», «Novidades», «República», «Diário de Lisboa», «A VOZ», «Diário da Manhã». De onze só ficaram o «Diário de Noticias» e o «Jornal de Noticias».
A BOLA MAGAZINE, de onde foram recuperadas para o meu livro «As palavras em Jogo» estas 30 entrevistas e uma biografia, também só vive hoje na memória afectiva de quem a guarda e nas prateleiras das hemerotecas. Há 370 anos nasceu a primeira Gazeta que dentro de meses pode dar origem a algumas efemérides. Somos os bisnetos desses obscuros redactores e somos os remadores dessa barca onde se procura vencer o pó do silêncio e alcançar a posteridade possível.
O Mundo é uma terrível fábrica de esquecimento; compete a todos e a cada um de nós fazer com que o esquecimento seja uma injustiça. Ao procurar saber mais do jornalismo de há 70 anos apareceu em O SÉCULO de 1941 uma referência a José Bento Pessoa. Pois o nosso figueirense foi em 1897 o vencedor do I Campeonato de Espanha em bicicleta disputado em Ávila na distância de 100 quilómetros que fez em 3h 42m e 31s. Ele é uma relíquia do Desporto Português. Este meu livro não aspira a tanto; pede apenas um pouco de atenção ao leitor comum e um lugar no futuro Museu do Desporto.
Hoje deu-me para o sentimento: muito antes de mim um outro autor – Celestino Gomes – juntou em livro as suas crónicas do «Diário Popular». Chama-se «Esta vida são dois dias» e vale a pena recordar aqui uma das suas crónicas pois no tempo da «Estrada de macadame» beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses:
«O desdém votado àquele que, porque teve dinheiro para gastar, se divertiu regaladamente a bebê-lo e paira, por isso, nos sete céus deliciosos da inconsciência etílica, faz encolher os ombros à maior parte: – Deixem-no lá, que está bêbado! Aquilo passa…Nada mais injusto. O problema do álcool é, primeiro que tudo, como todo o problema alimentar, um caso de educação individual ou familiar e já o classificá-lo nesta ou naquela coluna da escala social e que intervém a moral laica e a moral-pública, policial, uma injustiça extreme ao primeiro golpe de vista, pois todos sabem como o critério muda perante o que apanhou a sua carraspana espectaculosa, bulhenta ou sentimental, discursiva, chorosa ou maçadora, mas que todos presenciaram embora só em dia festivo e o que ajuda patrioticamente a dar o pão a um milhão de portugueses com o sacrifício quotidiano de uma dose de álcool capaz de rebentar o mais valente, mas que a sua capacidade a todas as provas aguenta sem solução nem alteração do equilíbrio gravitacional.
Não há, ainda hoje, uma ideia segura, definida, acerca do que constitui o alcoolismo crónico, exigência de beber, problema médico-social de muito maior interesse que aquele que normalmente se lhe atribui: pouco ou nenhum.
Toda a gente sabe como este mal põe constantemente em perigo a vida individual, familiar, profissional, social, como é difícil a tais «doentinhos» tratarem se ipsum, como queria o bom do Hipócrates para descongestionar as clínicas e com uma isenção respeitabilíssima num mestre de larga clientela. O Mundo leva talvez demasiada inclinação para julgar com exagerada benevolência os deficientes morais.»
































