As cidades e os sinais

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Paula Ganhão
Gestora de Projetos

Numa cidade, cada olhar descobre sempre algo novo — é essa a lição que Italo Calvino nos deixa em As Cidades Invisíveis. Penso nisso enquanto caminho pelas ruas: ler a cidade é um exercício interminável. Há sinais que gritam e sinais que murmuram, uns aparecem e desaparecem em segundos, outros ficam gravados durante anos. Cada marca, cada inscrição na parede, é um fragmento de um mapa maior que nunca se completa.

Agora, em tempo de eleições, os sinais multiplicam-se. Por onde quer que se ande, os outdoors impõem-se: slogans, fotografias, promessas rápidas. As fachadas confundem-se com rostos impressos em cartaz; os cruzamentos transformam-se em palcos improvisados; os caminhos em corredores de propaganda. Mas, à medida que os cartazes se repetem, começam a perder nitidez. Tudo se mistura. Já não se vê a cidade em si — apenas um pano de fundo encoberto por este ruído visual que fala mais alto do que a voz quotidiana da própria cidade.

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É diante deste cenário saturado de mensagens que percebemos o papel essencial do serviço público. A imprensa investiga, questiona e desmonta a retórica, confrontando promessas com factos e revelando aquilo que muitas vezes se tenta esconder por trás do espetáculo visual. A escola forma leitores atentos e críticos, ensinando-nos a decifrar exageros, metáforas e silêncios, preparando cidadãos capazes de interpretar não apenas os cartazes, mas todo o tecido social e cultural que nos envolve. A cultura desloca o olhar, abrindo-nos novas formas de perceber a cidade — um mural que nos faz parar, uma peça que ironiza a política, uma intervenção artística inesperada que inscreve histórias que não cabem nos outdoors.

O essencial não está na presença dos cartazes, mas na forma como os lemos — eu, nós, cidadãos atentos. Reconhecer o gesto político, notar o que se repete e o que se omite, distinguir a promessa do compromisso: é isso que nos torna intérpretes da cidade. No fundo, cada um de nós é como Marco Polo nas cidades de Calvino, tentando juntar peças dispersas para dar sentido ao que vê.

E a cidade, penso, é mesmo um palimpsesto de mensagens sobrepostas. Estes cartazes hão de desaparecer, mas o olhar que construímos permanece. Ele não deve servir apenas para o dia do voto: é no quotidiano, no cuidado com os lugares, na escolha de onde e como queremos viver, que ganha força. Porque, como lembra Calvino, aprender a ler os sinais é também aprender a escolher — e escolher, afinal, é a forma mais profunda de habitar a cidade.

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