Paula Ganhão
Gestora de Projetos
Italo Calvino concebeu um atlas de cidades reais e imaginadas, cada uma tecida pelo que lembramos, sentimos e sonhamos. Dizia ele que “as cidades, como os sonhos, são construídas de desejos e de medos”. Talvez nenhuma estação revele essa verdade com tanta nitidez como o verão.
Agosto transforma os lugares. Em Caldas da Rainha, Óbidos ou Peniche, regressam os que partiram, chegam os que nunca vieram e cruzam-se com os que nunca deixaram de estar, insuflando nova energia à vida urbana. Para se prepararem, retocam fachadas, acendem as luzes das praças, afinam o tom dos sotaques.
Mas há sempre dois lados: o de quem procura e o de quem se oferece. O visitante busca evasão, paisagem, pertença — ainda que por breves dias. A cidade prepara-se para o encontro, exibe o melhor de si, transforma-se para ser desejada. E, às vezes, quer tanto ser amada que se esquece de si mesma.
Nem tudo se mostra em brilho ou se deixa ler em poesia; por detrás das aparências cuidadas e das celebrações de verão escondem-se necessidades mais urgentes: uma habitação digna, rendas que não devorem salários, condições para cuidar de quem cuida. Repetem-se ainda velhos mantras, sempre adiados: serviços de saúde acessíveis e eficientes, um projeto cultural que seja raiz, e não apenas flor de estação, uma economia que não dependa apenas do calendário. Enquanto as ruas antigas se esvaziam e as casas dormem fechadas, a ausência de um lugar para viver torna-se palpável — uma cidade invisível entre as visíveis.
Talvez ao Oeste ainda lhe falte um caminho por inventar, algo que ultrapasse o turismo e a lógica efémera dos eventos sazonais. Uma força mais profunda, enraizada na comunidade, na pertença e na justiça territorial. Para o reconhecer, é preciso olhar com rigor o que se quer de verdade. Porque, ao tentar ser tudo, corre-se o risco de não ser nada para ninguém.
Ao longo do próximo ano, deixarei que o gesto de Calvino me guie no olhar sobre os territórios que habitamos, como se fossem páginas de um livro inacabado que importa tornar visível. Tal como nas suas cidades imaginadas, as nossas só se tornam reais quando alguém as sonha, quando lhes dá corpo e significado. Talvez o primeiro passo seja pensar esta região como um lugar onde o desejo não dependa apenas do que chega de fora, mas surja e se fortaleça a partir de dentro. É desse desejo que nasce a sua vitalidade, é dele que se alimenta a sua permanência.

































