Isto da gastronomia património cultural constitui um mundo! Um dia destes dei por mim a pensar que iria escrever sobre o associativismo gastronómico, referindo as confrarias e uma realidade singular, que são as sociedades gastronómicas bascas.
Mas como fui confrontado, hoje, com a notícia triste da morte de um arrais de arte xávega na minha terra de adopção, vou referir-me a esse tipo de pesca. Penso já ter escrito, neste espaço, que sou “Caparicano”. Ao longo dos anos assisti a muitos lances, puxei redes (antes do aparecimento dos tractores com aladores), vi, vezes sem conta, o Quim Cavalinha comandar os trabalhos. Foi esse mestre, com quem convivi, que parte aos noventa e tal anos e que me traz ao tema.
A palavra xávega provém do árabe xábaka e, segundo o dicionário Huaiss de Lingua Portuguesa, significava barco para pesca com rede. A denominação xávega era usada pelos pescadores do sul de Portugal. No litoral centro e norte praticava-se um tipo de pesca idêntico mas com diferenças: os barcos, com outra forma (crescente de lua) e tamanho, também de fundo chato e com as suas proas bastante mais elevadas para melhor suportarem a força das ondas, com capacidade de carga bem maior do que os barcos do sul.
Pode assumir duas modalidades: de arrastar para terra ou de arrastar para bordo. Na primeira, o barco que transporta a rede sai de um local específico na praia, onde fica fixo um dos cabos da rede e, em movimento circular, deixa-a ao largo, trazendo então para terra o outro cabo. De outro modo, as redes são aladas para dentro dos barcos que as levam ao mar.
O sistema de pesca é simples. A Xávega possui um saco de rede, cuja boca se prolonga para um e outro lado, ao longo de extensas mangas ou alares de rede, diminuindo a sua altura para as extremidades
Os cabos de alagem são amarrados no extremo destas mangas. Uma vez largada, a rede assenta no fundo, mantendo-se vertical mediante bóias e pesos de chumbo, conservando-se a boca do saco aberta.
Atente-se a versão de Raul Brandão, no seu ”Pescadores”, que, em Janeiro de 1923, escrevia sobre a Costa da Caparica e cito:
“Quando há muito peixe fazem-se três lanços cada dia, e trabalha-se todo o ano se o mar deixa. A rede é a de arrasto para a terra. O barco sai ao mar deixando um cabo nas mãos dos dez homens que ficam no areal, e vai-o largando pouco e pouco – cinquenta e tantas cordas de dezoito braças cada uma. Quando o arrais acha que se deve largar a rede, diz: – Em nome da Senhora da Conceição, rede ao mar! – E larga-se o calão, em seguida o alar, depois o saco e por fim o outro alar e o calão, trazendo-se a corda para a terra. Abica, salta a tripulação e com os homens de terra arrastam a rede. Apanha-se sardinha, carapau, e às vezes, em lanços de sorte, e quando menos se espera, a corvina, alguma raia, pargo e linguado.”
Além da Caparica há outros locais onde ainda se pratica este tipo de pesca, nomeadamente na praia de Vieira de Leiria e de Mira, de onde são originários os antepassados do “meia-lua” caparicano.

João Reboredo
joaoreboredo@gmail.com

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