Arquivo(s), Biblioteca e Museu(s) de Óbidos. Uma Reflexão…

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Ricardo Pereira
Arquivista/Historiador

Tendo sido responsável pelo Arquivo Histórico e, por inerência, do Arquivo Intermédio e Corrente do Município de Óbidos, e, igualmente, da sua Biblioteca Municipal, entre 02 de setembro de 2002 e 31 de janeiro de 2012, permite-me, com justa causa, fazer uma reflexão relativamente à realidade do património arquivístico, bibliográfico e museológico existente, nos dias de hoje, em Óbidos.

Começando pelo espólio documental, de carácter histórico, localizado no Solar da Praça de Santa Maria/Solar dos Brito Pegado/Casa Malta (albergando, também, o tal Museu de Arte Sacra), acondiciona uma documentação, com datas extremas entre os séculos XIV e XXI, encontrando-se toda Inventariada, e que, acrescento, NUNCA PODE SER ELIMINADA, pois retrata a história, não só, do antigo termo de Óbidos como do atual Concelho de Óbidos. Quanto ao Arquivo Intermédio e Corrente (que devem estar, ambos os Arquivos, em estreita correlação) que se encontram armazenados, tanto no principal edifício camarário como em uma outra instalação camarária, localizada perto do Sobral da Lagoa, tem de haver uma constante Avaliação e Seleção dessa documentação que pode ser conservada ou eliminada, seguindo sempre o Regulamento Arquivístico para as Autarquias Locais, publicado, em Diário da República, na Portaria n.º 112/2023, de 27 de abril, que revogou a, já antiga, Portaria n.º 412/2001, de 17 de abril. Claro que a utilização, sempre constante, destas regras arquivísticas, atrás enunciadas, têm de ser compensadas pelo investimento, por parte do Município, na construção ou adaptação de um edifício, preferencialmente existente na Vila, de um ARQUIVO MUNICIPAL, com todas as condições ao nível de estantes/prateleiras, mais atualizada do mercado, para o acondicionamento/armazenamento de todo este acervo documental, riquíssimo e importantíssimo, criando condições, também elas únicas, de organização e acessibilidade aos utilizadores internos da Autarquia (os seus trabalhadores) como para os utilizadores externos (investigadores anónimos, académicos e estudantes universitários). Reflitam sobre este assunto!

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Quanto ao outro acervo documental, existente em Óbidos, o ARQUIVO HISTÓRICO DA MISERICÓRDIA, a sua organização e divulgação do seu espólio fala por si, sendo considerado um caso de sucesso no “universo” das Misericórdias Portuguesas.
Por outro lado, um Município que recebe um Festival Literário Internacional, mais conhecido por FÓLIO, não pode apresentar uma BIBLIOTECA MUNICIPAL com total falta de condições para os seus leitores e visitantes. É um contrassenso difícil de perceber e, igualmente, de difícil compreensão para todos aqueles que vivem no Concelho de Óbidos e para todos aqueles que visitam todo o ano a Vila ou que apenas a visitam aquando da realização do FÓLIO (nestes dois casos, penso que as pessoas se possam interrogar sobre esta infraestrutura bibliotecária quase inexistente). Aqueles que são responsáveis, tentem refletir sobre uma nova localização digna de uma Biblioteca Municipal, com todas as valências necessárias para o acolhimento e aposta, preferencialmente, na literatura infantojuvenil, pois crianças e jovens do Concelho aculturados fazem exigir uma cultura integradora e pensante em Óbidos. Não descurando, claro, toda a outra literatura, sustentado por um Catálogo atualizado, de acordo com as regras bibliográficas e com o “mercado” literário português (aproveitando, para esse efeito, as novidades literárias trazidas pelo FÓLIO). Assim, sejam criativos! Por exemplo, aproveitem o edifício da Praça da Criatividade e façam desse local a NOVA BIBLIOTECA MUNICIPAL. Voltem a refletir sobre esta temática!

Há dias fui visitar o renovado Museu de Arte Sacra da Vila de Óbidos e verifiquei que o conceito museológico continua o mesmo, apesar da introdução do digital. Óbidos já merecia um Museu que evidenciasse a componente histórica do seu Concelho, combinando as peças arqueológicas, que dispõem, com o acervo documental que, igualmente, possuí e claro complementado com as pinturas e outras peças artísticas, que detêm, podendo assim construir uma narrativa histórica coerente, séria e honesta da história do Concelho de Óbidos, ao longo dos tempos. Deveria haver, assim, uma interdisciplinaridade entre os quadros técnicos camarários, existentes, passando pela Arqueologia, pelo Arquivo Histórico e pela Museologia, pois só neste sentido pode haver uma abordagem científica séria para um NOVO CONCEITO DE MUSEU em Óbidos, tal como já acontece, com bastante sucesso, em outras localidades de dimensão igual ao burgo obidense. Reflitam, também nisto!
E por último, gostaria de abordar o caso da COLEÇÃO DA GUERRA PENINSULAR, em que participei ativamente na elaboração do seu Inventário Geral (que já está concluído, desde 2008) interligando as peças museológicas já existentes na Câmara Municipal, desde os anos 70, com outras peças documentais, bibliográficas, iconográficas, cartográficas e, ainda, outras peças museológicas, existentes na chamada “Casa das Gaeiras”, pertencente aos descendentes de Frederico Ferreira Pinto Basto, que foi a principal “cabeça” para a criação da dita “Memória” ou Coleção (que retrata os primeiros 34 anos do século XIX português), desde os anos 30, do século passado. Esta junção do espólio relativo às “Memórias da Guerra Peninsular”, organizada por este autodidata, foi acordado entre a Família Pinto Basto e o Município de Óbidos, com a finalidade da criação de um Museu, sobre a temática, em causa. Objetivo, este, que desde 2008 (!) se anda a arrastar para a sua concretização, tendo sido construído um edifício, fora da Vila de Óbidos, para albergar o dito Museu, mas que, entretanto, foi alocado a outras valências (!), apenas existindo um pequeníssimo núcleo sobre a Coleção, não fazendo jus à sua importância patrimonial e cultural. Nesse sentido, alerto que este acervo, sendo um dos mais valiosos a nível internacional, não tem merecido a devida atenção pelos diversos responsáveis máximos que já passaram pela Autarquia obidense e dado que, neste momento, Óbidos passa a estar integrado nas chamadas “Rotas Napoleónicas” seria de extrema importância a criação do “MUSEU DA GUERRA PENINSULAR” (penso que deva ter essa designação!), para que tenhamos não só um espaço museológico de nível nacional, mas sim de nível internacional, na qual possam atrair, igualmente, não só um turismo de melhor qualidade para Óbidos, como atrair investigadores de todo o mundo que possam realizar trabalhos, a partir desta Coleção, finalmente acondicionada num local próprio. Reflitam, mais uma vez, também sobre este caso incompreensível!

O letrista e poeta brasileiro Agenor de Miranda Araújo Neto, mais conhecido, no meio artístico, por CAZUZA, na sua canção: “O TEMPO NÃO PÁRA”, escreveu (e cantava) o seguinte, num dos trechos do refrão, que transponho para a realidade patrimonial/cultural, e não só, de Óbidos: “EU VEJO O FUTURO REPETIR O PASSADO. EU VEJO UM MUSEU DE GRANDES NOVIDADES [o versejador, queria dizer, que aquilo que surge como uma promessa de novidade, não passa de uma releitura de algo velho e cheio de “bolor”]…MAS O TEMPO NÃO PÁRA…NÃO PÁRA, NÃO PÁRA”. Vejam lá se nas palavras do poeta não é o que está a acontecer em Óbidos!. Reflitam, mais uma vez…

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