As 25 histórias breves deste autor natural da Estremadura (Peso, S. Catarina, 1935) são muito diversas. Englobam fábulas (leões, mochos, corujas) e figuras da Natureza (rochedo) mas o grosso dos contos tem a ver com a gente que povoa algumas aldeias estremenhas. Há nestas páginas figuras de crianças, de homens ora desconfiados ora espertos e de mulheres a contas com as suas tarefas transparentes (porque repetidas) mas sem as quais a aldeia não vive.
A figura do suicida (uma suicida) surge no conto «O tio Mourão», António Maciel de seu nome civil, que conta no sábado à noite no barbeiro do Casal do Rio um episódio de feira: «Hoje na Banadita eu é que me impus. Têm a mania de vir para ali todos janotas, soberbos por terem a carteira quente mas, desta feita, um finório teve que lovar a bezegra por aquilo que eu quis e não por aquilo que ele entendeu.» Afinal 26 notas de 100 escudos não são 29 notas: o comprador ofereceu mais do que o vendedor pediu, este ficou irritado por o outro lhe ter chamado Ti Zé. A vida ia correndo, a loja de barbeiro ia mudar para um rapaz novo que namorava uma cachopa da Venda das Raparigas quando um certo dia o tio Mourão descobre que a sua filha (Bina) bebe o vinho que ele guardava para os amigos e para os cavadores à jorna. Passado pouco tempo a rapariga atira-se para dentro de um poço («a portinhola está aberta») de onde é retirada já sem vida pelo irmão mais novo (Vítor) que para tal desceu numa canastra presa à corda da roldana.
Com a morte da filha e vivendo uma estranha situação matrimonial (viúvo e casado com separação de bens, a mulher vinha do Vimeiro aos sábados visitá-lo), o tio Manuel Mourão deixou de dar uso ao sacho na limpeza das fazendas: («Mete dó olhar para as suas terras!») e desistiu de viver, aos poucos.
Há nestas 196 páginas memórias cruzadas de lugares e ofícios, gente e sentimentos, costumes e mistérios. Nem falta a expressão local de uma oficina de cutelaria, daquelas que fizeram uma forte marca no tempo de quase todos nós, os que somos dali e para sempre. Porque, como dizia Vitorino Nemésio, «para nós a Geografia é mais importante do que a História».
Nota final – os livros deste autor estão presentes na Livraria Parnaso (Caldas da Rainha) e no Quiosque da Vila (Santa Catarina).
José do Carmo Francisco
































